90 - Orgulhosamente sós
A expressão “orgulhosamente sós” está ligada, na mente de todos nós, a Salazar.
E é bem verdadeira, até certo ponto. Recordemos que, quando os Estados Unidos quiseram incluir Portugal no Plano Marshall de reconstrução da Europa, como paga pelo uso da Base das Lajes, Salazar recusou porque não queria dar a imagem de estar dependente de terceiros. Aliás, toda a sua política económica tinha por base a mesma ideia, gastar só o que tínhamos e, acima de tudo, poupar para o que pudesse vir a acontecer – pois, mal sabia ele...
Na política externa fez o mesmo, sem alianças ou sequer relações chegadas com outros países – sim, até mesmo com Franco, que era supostamente da mesma cor política. Basicamente, se queriam falar com ele, tudo bem, mas não se enfiava à força em lado nenhum.
Ora o nosso atual (des)governo conseguiu algo que, à partida, poderia parecer impossível, a adoção do mesmo princípio, mas invertendo-o totalmente.
Passo a explicar.
Em termos económicos, bom, acho que poucos duvidam de que nos tornámos os pedinchões da Europa. Não há ajuda ou benefício que não nos interesse, pior ainda, estamos sempre prontos a choramingar por mais e mais, numa espiral ascendente sem fim à vista.
Já agora, também internamente temos a situação oposta à de outrora, tudo fazem para que quem reside neste paraíso à beira-mar plantado – de acordo com eles – não tenha nem condições nem interesse em poupar, tudo graças à pesadíssima carga fiscal e às ameaças não muito veladas de passarem a tributar os míseros tostões que mesmo assim conseguimos arrecadar.
A outra diferença flagrante está nas nossas relações internacionais. Podem dizer que agora fazemos parte do mundo, ao contrário do que então se passava, que já não vivemos isolados. Mas fazemos mesmo? Que imagem acham que dá do nosso país o virote permanente do atual senhor de Belém? Será que todos aqueles passeios, perdão, viagens de estado, foram em resposta a convites a sério? É que, curiosamente, não tem havido assim muitos chefes de estado a visitarem-nos e estas coisas costumam ser recíprocas.
E nem vou falar da ida do nosso “estimadíssimo” PM à Hungria, de que ouvimos – com atraso – inúmeras explicações, quando a real era tentar convencer alguém de quem tem dito cobras e lagartos (fascista, nazi...) a tê-lo em conta para o seu tão almejado tacho europeu. Sim, sei que agora diz que nem pensou nisso, mas com a atual composição política da Europa e a viragem de muitos países à direita, sendo a Grécia o mais recente, que hipóteses tinha realmente? Pois, soa-me um pouco a “as uvas estão verdes”.
Mas há outros aspetos em que levam o “orgulhosamente sós” aos píncaros.
A TAP, por exemplo. Numa altura em que a maioria esmagadora dos países eliminava ou privatizava as suas companhias aéreas, fizeram precisamente o contrário, pior ainda, renacionalizaram-na quando estava no bom caminho para deixar, finalmente, de ser um encargo de todos os portugueses.
No ensino, agora que o resto da Europa descobriu que facilitismos não dão bons resultados, sobretudo para os jovens, por cá reduz-se cada vez mais os programas, “estupidificam-se” os exames – quando existem – enfim, faz-se tudo para ficarmos com uma ou mais gerações de analfabetos funcionais. Para quem não conhece o termo, pois bem, são pessoas que têm oficialmente a escolaridade obrigatória, ou até um curso, mas que na prática não sabem entender um texto, a menos que seja mesmo muito básico, que têm dificuldade em apreender ideias que não lhes sejam apresentadas sob a forma de clichés e, em termos de matemática, bom, pouco ou nada entendem, daí a exigência de mais benesses sem sequer pensarem de onde sai o dinheiro.
Mas para mim, a gota de água foi a recente decisão de manter a bitola ibérica para os nossos caminhos de ferro. Francamente, acho que o primeiro passo terá mesmo de ser mudar-lhe o nome, é que a Espanha já a largou, por isso de ibérica nada tem. Ou seja, é mesmo o exemplo acabado do tal “orgulhosamente sós”, como disse acima.
É realmente uma decisão espetacular, sobretudo feita por quem anunciou, com a pompa e circunstância usuais, uma remodelação profunda do nosso sistema ferroviário!
Para os mais distraídos, isto significa que comboios portugueses que sigam para Espanha e o resto da Europa terão de sofrer uma adaptação na fronteira – ou até, o transbordo de carga e passageiros, o que custa tempo e dinheiro. E vice-versa, claro.
Ora numa época em que se fala cada vez mais em usar portos portugueses, nomeadamente Matosinhos e Sines, para evitar a entrada de navios cargueiros no mais do que sobrelotado Mediterrâneo, como é que isto faz sentido? Não devíamos, isso sim, construir ou modernizar algumas linhas que permitissem o transporte rápido e barato de contentores para os seus locais de destino? Não seria esta uma belíssima fonte de rendimentos para o país? Isto sem falar na componente ecológica, é que pelo menos por enquanto os ambientalistas são grandes fãs do transporte ferroviário de mercadorias.
E já agora, uma perguntinha de algibeira: o TGV tão do apreço de “Costa e sus Muchachos” também vai usar a bitola ibérica? Ou terá uma linha exclusiva para um comboio por dia, como queria o tão saudoso Sr. Sócrates?
Para semana: Quando é que a Europa aprende? A propósito das últimas cenas de “justa indignação” em França.