118 - Falemos de Saúde
Como até os mais distraídos saberão, assistimos, mais uma vez, ao caos total nas Urgências dos nossos hospitais e a esperas que seriam anedota se não fossem tão graves – sete horas para casos graves, a sério?
Assistimos, também, ao usual “lavar de mãos” por parte de quem nos (des)governa ou espera vir a fazê-lo em breve. São os argumentos usuais, é do frio (ou do calor, consoante a época do ano), as pessoas vão desnecessariamente às Urgências, há um surto de gripe (ou qualquer outra coisa, real ou não) e, o meu favorito e estreia absoluta, “a culpa é dos hospitais privados”! Pois, o PCP nunca desilude...
Ora vamos por partes.
Uma coisa que me chama sempre a atenção quando se discutem os problemas da Saúde em Portugal é o modo como a nossa esquerda – que, lembro, nos (des)governou em 20 dos últimos 27 anos – aborda a questão. A grande frase é sempre, explícita ou implicitamente, temos de salvar o SNS.
Na minha ingenuidade, sempre pensei que um sistema de saúde nacional existia para cuidar da saúde da população, ou seja, era um meio para atingir um fim. Mas parece que estava enganada, o fim é precisamente o dito SNS, tudo o resto é fogo de vista. O que explica a campanha permanente contra o privado, incluindo a extinção de parcerias sempre que possível.
Ou seja, público e privado são vistos como inimigos mortais envolvidos numa luta até à morte do Bem contra o Mal e não como dois elementos que se podiam complementar – e de que maneira – para cuidar de todos nós.
Podíamos, por exemplo, aproveitar o exemplo de outros países e ter uma espécie de cheque saúde. Mas não como o cheque dentista! A ideia é muito simples, o Governo cria uma tabela com valores para consultas, exames de todo o tipo, operações, etc.
Assim, se alguém precisa de uma consulta ou de outra coisa, em vez de estar à espera, vai onde quiser e o Estado “comparticipa” o seu custo. Sim, na maioria dos casos o utente teria de pagar a diferença, mas sempre é bem melhor do que pagar a totalidade porque não é atendido pelos serviços que sustenta com os seus pesadíssimos impostos.
Pequeno detalhe, a mesma tabela era aplicada nos serviços públicos, sempre ajudava a fazer umas contas decentes e comparativas.
Mais ainda, isto encorajaria médicos a abrirem consultórios em terras mais pequenas ou até em bairros residenciais, uma vez que a base potencial de clientes passaria a ser bem maior. Imaginem o que isto faria pelos muitos portugueses que nem médico de família têm!
Passemos ao ponto seguinte, o aumento da afluência devido ao frio, calor, etc., e que traz sempre consigo o cenário apocalíptico de ambulâncias paradas junto aos hospitais, às vezes durante horas, porque não há macas disponíveis para que lhes devolvam as suas.
Francamente! Isto dura há anos e ainda não houve tempo – ou vontade – para investir num stock de macas a serem usadas nestas situações? Podiam, até, ser de um modelo “mais leve”, digamos, com menos extras e tudo isso. É que mesmo assim seriam preferíveis ao que se passa agora. E não me falem do custo, há certamente muito onde se pode cortar para esta tão necessária despesa. Além disso, já pensaram no custo do agravamento do estado de saúde – ou morte – de quem não recebe uma ambulância porque esta está retida?
Quanto ao muito repetido argumento de as pessoas irem desnecessariamente às Urgências, até pode ser verdade, e é-o, certamente, mas, qual é a alternativa? Mesmo quem tem médico de família só dificilmente lhe pode aceder fora das consultas marcadas – e boa sorte com estas! Postos médicos? Pois, além de raros, muitos partem do princípio de que não se adoece durante a noite...
Há cada vez mais seguros e empresas a oferecerem pacotes com consultas ao domicílio – e não só – por valores até muito razoáveis, mas nem todos os podem pagar ou sabem, até, da sua existência.
Sim, há a Linha Saúde 24. Só que, na minha opinião, esta podia e devia fornecer serviços adicionais. Por exemplo, um site que conteria as dúvidas que originam mais telefonemas e as respetivas respostas. Começariam por estas e depois iam alargando o conteúdo de modo a torná-lo a primeira ferramenta de consulta de quem acha que há um problema ou tem apenas uma dúvida.
E porque não incluir no site um Avaliador de Sintomas? Vejo muitos em sites de grande qualidade de outros países, nomeadamente Austrália e Reino Unido, mas em Portugal só encontrei o da Médis. Sim, não substitui uma consulta com um médico a sério, mas é um bom primeiro passo para quem tem sintomas vagos e receia que representem algo grave. E como inclui sugestões de tratamento para coisas menores, evitaria muitas das tais idas desnecessárias às Urgências.
Só mais um ponto. Fala-se muito que as pessoas consultam a Internet para problemas de saúde e que os sites que frequentam nem sempre são fiáveis. E eu concordo totalmente. Só que, em vez de criticarem, que tal criarem um local como deve ser, feito com a colaboração de médicos das várias áreas?
Mais uma vez, podia começar pequeno e ir aumentando. E não estou a falar de uma enciclopédia médica, apenas de algo simples que satisfaça a curiosidade de quem ouviu falar de uma doença e não sabe o que é ou de quem está um pouco preocupado com os seus sintomas e imagina o pior.
Não sei se há mais em Portugal, mas só encontrei este guia Saúde A-Z da CUF. E este do Brasil, do Hospital Einstein, Guia de doenças e sintomas.
Curioso, não é, serem de privados? É que no Reino Unido, o equivalente deles do SNS – o NHS – tem um, Health A to Z...
Enfim, enquanto uma boa parte da classe política – e não só - continuar a ter uma visão esquizofrénica da nossa saúde continuaremos a assistir a caos, mortes indevidas e agravamento de situações que seriam facilmente resolvidas se fossem tratadas a tempo e horas.
Repito, não interessa, ou não devia interessar, quem fornece um serviço, só importa que ele exista.
Boa saúde – vão precisar...
Para semana: Para uma inclusão a sério Que tal devolver à palavra da moda o seu verdadeiro significado?