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Luísa Opina

Neste blogue comentarei temas genéricos da nossa sociedade. Haverá um novo texto todas as sextas-feiras

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Luísa Opina

12
Ago22

45 - Velhos não são lixo

Luísa

O envelhecimento da população é um assunto que está muito na moda, mas sempre acompanhado de previsões económicas catastróficas e do já muito típico choradinho de “coitados dos velhinhos”. Mas, muito francamente, o problema não é o disparo no número de pessoas acima dos 60 anos mas sim o facto de não termos a flexibilidade e a imaginação para repensar esta nossa sociedade. E, por muito que falemos de cuidar dos idosos e respeitá-los, a triste realidade é que os vemos, de facto como lixo tóxico.

Basicamente, oscilamos entre dois extremos, num verdadeiro cenário de esquizofrenia.

Por um lado, fartamo-nos de ouvir falar das más condições em que vivem muitos idosos, das pensões de miséria, da solidão, do abandono por parte dos familiares, enfim, um nunca acabar de queixumes, bem verdadeiros, diga-se de passagem, mas que são, infelizmente, os mesmos desde há muitos anos sem que nunca se faça nada para os minorar.

Mas, ao mesmo tempo, temos o contínuo refrão de que é preciso aumentar a natalidade para suportar os custos com a população idosa, que o atual desequilíbrio de 159 idosos para 100 jovens é insustentável a muito curto prazo,  deixando, enfim, no ar a ideia de que os idosos são um peso para a sociedade, consumindo fundos que tanto custam a ganhar e nada dando em troca.

E, sentindo-nos muito virtuosos por lastimarmos os tais “velhinhos, coitadinhos”, seguimos com as nossas vidinhas sem sequer nos darmos conta de que os estamos a ver como desperdícios que nos ficam bem caros.

Pois bem, acho que devíamos acabar de vez com esta ideia de que os idosos não passam de um sugadouro de meios e que já nada podem contribuir para a sociedade e para o país. E, sobretudo, acabar com essa dos “velhinhos”, que até surge na boca de dirigentes de organizações supostamente de defesa dos direitos da terceira idade.

É verdade que, ao contrário do que aconteceu durante séculos ou até milénios, os idosos já não são o repositório da sabedoria da sociedade em que vivem. Tudo muda agora demasiado depressa e é quase impossível uma pessoa de uma certa idade conseguir acompanhar essas contínuas evoluções, sobretudo quando ouve repetidamente que isso já não é para ela.

Mas isso não significa que seja inútil! Muitos idosos seriam até bem capazes de trabalhar, de “contribuírem”, se não estivessem sempre a ouvir dizer que o seu tempo já passou e que está na altura de darem lugar aos novos, sendo arrumados a um canto com o pretexto, repito, muito “virtuoso” de que já trabalharam muito e agora é altura de descansarem.

E a reforma obrigatória, pelo menos para quem é do Estado, também não ajuda. Será que quem fala em diminuir a idade em que nos podemos reformar está ciente dos inúmeros problemas psicológicos que muitos reformados enfrentam precisamente porque se sentem postos de lado, como uns sapatos velhos?

Para quem trabalhou toda a vida, parar de repente, como acontece agora, não é de modo algum a melhor solução. De membros da sociedade plenamente contributivos, passam, literalmente de um dia para o outro, a desocupados. Ora isso não está certo, penso até que a reforma devia ser facultativa, quem assim o desejasse poderia continuar a trabalhar. E mesmo que a esmagadora maioria aceitasse ir para casa, o simples facto de terem essa opção seria um bom estímulo psicológico.

Passando agora à solidão, esta é mais uma das muitas questões em que se fala muito, mas nada se faz. No fundo, achamos perfeitamente natural que os idosos vivam separados de nós e nem sequer pensamos em como passam o tempo. Esse assunto só vem à baila quando algo acontece. Por exemplo, os infelizmente vários casos em que idosos foram descobertos mortos em casa semanas ou meses depois de terem falecido.

E se em vez de os ostracizarmos fizéssemos um esforço para lhes proporcionar algum contacto humano?

Não custaria muito uma junta de freguesia criar a chamada “árvore telefónica”, em que todos os dias um idoso recebe uma chamada da pessoa antes dele na tal árvore e, logo a seguir, fala com a que vem depois dele nessa estrutura. Nem que a conversa se limite a um “olá” e “como está” já era uma ligação a outras pessoas. E caso alguém não respondesse, isso seria de imediato um sinal de alarme. E lembremo-nos que estes casos têm todos acontecido em freguesias minúsculas que lutam com unhas e dentes contra a sua fusão numa única maior com o pretexto de que iriam perder o contacto com a população. Pois!

Mais ainda, que tal pensarmos em “adotar” um avô ou uma avó? Só faria bem aos jovens terem contacto com alguém bem mais velho e o idoso em questão não se sentiria posto de parte só por ter passado do “prazo de validade”.

E os lares não têm de ser o que muitos são agora, “armazéns” onde se despejam idosos indesejados. Sim, muitos acabam por ter de recorrer a uma dessas instituições porque precisam de cuidados que a família não tem condições de lhes prestar. Mas por cada um destes há muitos outros que são simplesmente largados ali para não incomodarem a vida de ninguém.

Sempre achei curioso que haja tantas regras para a criação de um lar, mas que nada se faça para manter os seus utentes inseridos na sociedade que os rodeia. Fala-se em terem animadores culturais, motoristas, enfim, um nunca acabar de pessoal, mas resume-se tudo a mantê-los dentro daquelas quatro paredes, para que não perturbem o “mundo real”.

Ou seja, temos “eles” e “nós” e um abismo entre ambos. E isto está errado a muitos níveis e para os dois lados.

Sim, temos vidas ocupadas, o pouco tempo livre que  nos sobra devia ser para nossa diversão, só que tudo isso não passa de uma fuga a uma situação que nos é, confessemo-lo, desagradável.

É que, se formos sinceros connosco, teremos de admitir que uma das grandes razões de pormos os idosos de parte é que a sua existência é um lembrete, nada bem-vindo, de que é esse o nosso futuro, de que, a médio ou a longo prazo, será a nossa vez de sermos tratados como lixo e postos totalmente à margem de tudo e de todos. E a nossa resposta a esse temor é enfiar a cabeça na areia e fingir que nada disso irá acontecer, que ficaremos novos para sempre...

Já agora, o meu outro blogue, Ir para novo, trata precisamente de envelhecer, Pode encontrá-lo em https://irparanovo.blogs.sapo.pt/

Para a semana: É o clima! – Os bem-pensantes descobriram as alterações climáticas... e a culpa é do Ocidente.

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