119 Para uma inclusão a sério
Entre os termos da moda, “inclusão” é um dos mais usados – e abusados.
Em teoria, é, até, um conceito de louvar, a criação de uma sociedade onde todos se possam sentir à vontade na sua pele e realizar todo o seu potencial, sem entraves devidos apenas ao que são.
Francamente, dito deste modo, sou totalmente a favor!
Só que... pois, infelizmente há sempre um mas. E aqui é só um detalhe, é que definição de “todos” nas campanhas da inclusão não significa mesmo todos, muito longe disso, apenas o pessoal do alfabeto – sabem, os LB etc. – e, sobretudo transexuais ou candidatos a tal.
Pois bem, como sou uma otimista de gema, aqui deixo algumas sugestões para tentar criar uma inclusão a sério.
E como a grande ênfase das campanhas está nas escolas e criancinhas, irei concentrar-me nelas.
Como primeira sugestão, em vez de as porem a marchar com as bandeirinhas arco-íris e o slogan de “todos iguais”, como vi, ainda recentemente, um grupo da pré-primária, e a receberem, chamemos os bois pelos nomes, uma lavagem ao cérebro sobre “sexo é uma construção da sociedade” e o “género nada tem a ver com biologia”, que tal aprenderem algo realmente inclusivo como linguagem gestual?
Para além de poderem comunicar com colegas – e não só – surdos, isso abrir-lhes-á os olhos e a mente para a ideia de que há pessoas diferentes e que têm o mesmo direito a viver plenamente em sociedade. Não digo que a aprendam na totalidade, mas, pelo menos, o mínimo para comunicar e entender. E como até há noticiários e programas dobrados nessa linguagem, será fácil treiná-la. No mínimo, aprenderão alguma coisa útil.
E já que o mote ouvido até à saciedade é aceitar a diferença, seria, certamente, uma boa ideia organizar convívios com pessoas cegas, por exemplo, caso não tenham nenhum colega nessa situação. É que muitos nunca viram ninguém assim e só lhes fará bem perceberem desde cedo que a cegueira não impede de se ter uma vida rica e útil. E quem diz cegueira diz falta de mobilidade ou algo assim.
Já agora, que tal organizar visitas às escolas de atletas paraolímpicos? Temos muitos e bons, apesar de pouco conhecidos, e acredito que isto ajudaria muito à inclusão de crianças – e mais tarde adultos – com vários tipos de problemas.
Passando a uma área diferente, um dia destes vi uma reportagem que me chocou, sobretudo porque foi logo a seguir ao discurso de alguém a elogiar a nova lei das escolas que, supostamente, ajuda à inclusão. Pois bem, tratava-se de um rapaz autista, adolescente, que era diariamente vítima de bullying na escola por ser “diferente”, tudo isso perante a passividade de professores e diretores e apesar de inúmeras queixas por parte da mãe.
Acontece que há no mundo atual cada vez mais pessoas diagnosticadas com autismo. Reparem que eu disse “diagnosticadas”, é que não é por acaso que se fala no espetro do autismo, a maioria dos casos passava despercebida ou era apenas diagnosticada como atraso mental ou problemas emocionais.
Pois bem, aqui está algo mais para ensinar às ditas criancinhas a fim de as educar para um futuro mais inclusivo. É que atualmente até pouquíssimos adultos sabem o que fazer perante alguém autista ou com outro problema da mesma área, estou a pensar, por exemplo, em crianças com síndrome de Down, apesar de serem cada vez menos devido a abortos seletivos – há países nórdicos em que não nasce nenhuma há anos...
É que, exceto em casos mais extremos, não há nenhuma razão para estas crianças não frequentarem uma escola normal, com algum acompanhamento adicional, claro, consoante as suas especificidades. Mas muitos pais hesitam em fazê-lo precisamente porque sabem que os filhos irão ser descriminados por serem o que são. Sem contar que as mesmas direções de escolas prontíssimas a ter casas de banho mistas para não discriminar ninguém arrastam os pés quando se trata de incluir alunos deste tipo.
Mudando de assunto, se queremos uma sociedade inclusiva não podemos permitir que continue a existir o fosso atual entre os dois extremos etários. Muita coisa mudou na sociedade nos últimos anos e são agora poucas as famílias em que várias gerações vivem na mesma casa. Ou até que convivem regularmente.
Junte-se a isso o idadismo cada vez mais presente a todos os níveis, incluindo o governamental, e temos gerações mais novas, leia-se, criancinhas, convencidas desde cedo que “velhos são lixo” ou, no mínimo, um peso morto para a sociedade, pessoas que nada fazem e nada sabem fazer.
Pequeno aparte, neste blog fiz um post, Velhos não são lixo! sobre este tema e no meu outro blog, Ir para novo, há vários posts sobre Idadismo.
A minha sugestão é combater isso desde cedo, a bem da tal inclusão. Por exemplo, pôr os alunos a fazerem a sua árvore genealógica, mas não apenas com nomes, também com uma pequena descrição de quem é – ou era – a pessoa. Seria, até, interessante manter este projeto ao longo do percurso escolar, aumentando o número e qualidade da informação à medida que os alunos iam crescendo.
Mas não me refiro a pôr só factos “frios”, tipo, o meu avô era sapateiro, não, tentar falar com esses familiares caso ainda vivam ou com alguém que os tenha conhecido, a fim de saberem algumas histórias.
Este projeto teria várias vantagens. Por um lado, os mais novos aprenderiam algo sobre os membros mais idosos da sua família, mesmo que não os viessem a conhecer pessoalmente, passando a vê-los como pessoas e não apenas como caras mais ou menos desfocadas em fotos antigas. E da família seria fácil passarem a ver outros idosos como gente de carne e osso, com as suas vidas e histórias, e não apenas como os “velhinhos, coitadinhos”, outra expressão muito na moda.
E, quem sabe, poderiam até descobrir algum antepassado, não necessariamente longínquo, bastante interessante.
Outra sugestão seria a aplicação em Portugal de algo que já se faz noutros países e que é a ligação entre infantários / pré-primárias e lares de idosos / centros de dia, precisamente para permitir esse convívio, situação alargada ao período pós-aulas durante a primária, por exemplo. E há muitos países em que dar apoio a idosos faz parte das atividades extracurriculares sem as quais um aluno do liceu não tem hipótese de entrar numa universidade.
Bom, foram só sugestões de inclusão aplicadas às escolas. Há, ainda, a sociedade em geral, mas fica para outro post.
Para a semana: Quanta má fé! A propósito de "cenas" recentes de políticos, jornalixeiros e outros