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Luísa Opina

Neste blogue comentarei temas genéricos da nossa sociedade. Haverá um novo texto todas as sextas-feiras

Neste blogue comentarei temas genéricos da nossa sociedade. Haverá um novo texto todas as sextas-feiras

Luísa Opina

19
Jan24

119 Para uma inclusão a sério

Luísa

Entre os termos da moda, “inclusão” é um dos mais usados – e abusados.

Em teoria, é, até, um conceito de louvar, a criação de uma sociedade onde todos se possam sentir à vontade na sua pele e realizar todo o seu potencial, sem entraves devidos apenas ao que são.

Francamente, dito deste modo, sou totalmente a favor!

Só que... pois, infelizmente há sempre um mas. E aqui é só um detalhe, é que definição de “todos” nas campanhas da inclusão não significa mesmo todos, muito longe disso, apenas o pessoal do alfabeto – sabem, os LB etc. – e, sobretudo transexuais ou candidatos a tal.

Pois bem, como sou uma otimista de gema, aqui deixo algumas sugestões para tentar criar uma inclusão a sério.

E como a grande ênfase das campanhas está nas escolas e criancinhas, irei concentrar-me nelas.

Como primeira sugestão, em vez de as porem a marchar com as bandeirinhas arco-íris e o slogan de “todos iguais”, como vi, ainda recentemente, um grupo da pré-primária, e a receberem, chamemos os bois pelos nomes, uma lavagem ao cérebro sobre “sexo é uma construção da sociedade” e o “género nada tem a ver com biologia”, que tal aprenderem algo realmente inclusivo como linguagem gestual?

Para além de poderem comunicar com colegas – e não só – surdos, isso abrir-lhes-á os olhos e a mente para a ideia de que há pessoas diferentes e que têm o mesmo direito a viver plenamente em sociedade. Não digo que a aprendam na totalidade, mas, pelo menos, o mínimo para comunicar e entender. E como até há noticiários e programas dobrados nessa linguagem, será fácil treiná-la. No mínimo, aprenderão alguma coisa útil.

E já que o mote ouvido até à saciedade é aceitar a diferença, seria, certamente, uma boa ideia organizar convívios com pessoas cegas, por exemplo, caso não tenham nenhum colega nessa situação. É que muitos nunca viram ninguém assim e só lhes fará bem perceberem desde cedo que a cegueira não impede de se ter uma vida rica e útil. E quem diz cegueira diz falta de mobilidade ou algo assim.

Já agora, que tal organizar visitas às escolas de atletas paraolímpicos? Temos muitos e bons, apesar de pouco conhecidos, e acredito que isto ajudaria muito à inclusão de crianças – e mais tarde adultos – com vários tipos de problemas.

Passando a uma área diferente, um dia destes vi uma reportagem que me chocou, sobretudo porque foi logo a seguir ao discurso de alguém a elogiar a nova lei das escolas que, supostamente, ajuda à inclusão. Pois bem, tratava-se de um rapaz autista, adolescente, que era diariamente vítima de bullying na escola por ser “diferente”, tudo isso perante a passividade de professores e diretores e apesar de inúmeras queixas por parte da mãe.

Acontece que há no mundo atual cada vez mais pessoas diagnosticadas com autismo. Reparem que eu disse “diagnosticadas”, é que não é por acaso que se fala no espetro do autismo, a maioria dos casos passava despercebida ou era apenas diagnosticada como atraso mental ou problemas emocionais.

Pois bem, aqui está algo mais para ensinar às ditas criancinhas a fim de as educar para um futuro mais inclusivo. É que atualmente até pouquíssimos adultos sabem o que fazer perante alguém autista ou com outro problema da mesma área, estou a pensar, por exemplo, em crianças com síndrome de Down, apesar de serem cada vez menos devido a abortos seletivos – há países nórdicos em que não nasce nenhuma há anos...

É que, exceto em casos mais extremos, não há nenhuma razão para estas crianças não frequentarem uma escola normal, com algum acompanhamento adicional, claro, consoante as suas especificidades. Mas muitos pais hesitam em fazê-lo precisamente porque sabem que os filhos irão ser descriminados por serem o que são. Sem contar que as mesmas direções de escolas prontíssimas a ter casas de banho mistas para não discriminar ninguém arrastam os pés quando se trata de incluir alunos deste tipo.

Mudando de assunto, se queremos uma sociedade inclusiva não podemos permitir que continue a existir o fosso atual entre os dois extremos etários. Muita coisa mudou na sociedade nos últimos anos e são agora poucas as famílias em que várias gerações vivem na mesma casa. Ou até que convivem regularmente.

Junte-se a isso o idadismo cada vez mais presente a todos os níveis, incluindo o governamental, e temos gerações mais novas, leia-se, criancinhas, convencidas desde cedo que “velhos são lixo” ou, no mínimo, um peso morto para a sociedade, pessoas que nada fazem e nada sabem fazer.

Pequeno aparte, neste blog fiz um post, Velhos não são lixo! sobre este tema e no meu outro blog, Ir para novo, há vários posts sobre Idadismo.

A minha sugestão é combater isso desde cedo, a bem da tal inclusão. Por exemplo, pôr os alunos a fazerem a sua árvore genealógica, mas não apenas com nomes, também com uma pequena descrição de quem é – ou era – a pessoa. Seria, até, interessante manter este projeto ao longo do percurso escolar, aumentando o número e qualidade da informação à medida que os alunos iam crescendo.

Mas não me refiro a pôr só factos “frios”, tipo, o meu avô era sapateiro, não, tentar falar com esses familiares caso ainda vivam ou com alguém que os tenha conhecido, a fim de saberem algumas histórias.

Este projeto teria várias vantagens. Por um lado, os mais novos aprenderiam algo sobre os membros mais idosos da sua família, mesmo que não os viessem a conhecer pessoalmente, passando a vê-los como pessoas e não apenas como caras mais ou menos desfocadas em fotos antigas. E da família seria fácil passarem a ver outros idosos como gente de carne e osso, com as suas vidas e histórias, e não apenas  como os “velhinhos, coitadinhos”, outra expressão muito na moda.

E, quem sabe, poderiam até descobrir algum antepassado, não necessariamente longínquo, bastante interessante.

Outra sugestão seria a aplicação em Portugal de algo que já se faz noutros países e que é a ligação entre infantários / pré-primárias e lares de idosos / centros de dia, precisamente para permitir esse convívio, situação alargada ao período pós-aulas durante a primária, por exemplo. E há muitos países em que dar apoio a idosos faz parte das atividades extracurriculares sem as quais um aluno do liceu não tem hipótese de entrar numa universidade.

Bom,  foram só sugestões de inclusão aplicadas às escolas. Há, ainda, a sociedade em geral, mas fica para outro post.

Para a semana: Quanta má fé! A propósito de "cenas" recentes de políticos, jornalixeiros e outros

12
Ago22

45 - Velhos não são lixo

Luísa

O envelhecimento da população é um assunto que está muito na moda, mas sempre acompanhado de previsões económicas catastróficas e do já muito típico choradinho de “coitados dos velhinhos”. Mas, muito francamente, o problema não é o disparo no número de pessoas acima dos 60 anos mas sim o facto de não termos a flexibilidade e a imaginação para repensar esta nossa sociedade. E, por muito que falemos de cuidar dos idosos e respeitá-los, a triste realidade é que os vemos, de facto como lixo tóxico.

Basicamente, oscilamos entre dois extremos, num verdadeiro cenário de esquizofrenia.

Por um lado, fartamo-nos de ouvir falar das más condições em que vivem muitos idosos, das pensões de miséria, da solidão, do abandono por parte dos familiares, enfim, um nunca acabar de queixumes, bem verdadeiros, diga-se de passagem, mas que são, infelizmente, os mesmos desde há muitos anos sem que nunca se faça nada para os minorar.

Mas, ao mesmo tempo, temos o contínuo refrão de que é preciso aumentar a natalidade para suportar os custos com a população idosa, que o atual desequilíbrio de 159 idosos para 100 jovens é insustentável a muito curto prazo,  deixando, enfim, no ar a ideia de que os idosos são um peso para a sociedade, consumindo fundos que tanto custam a ganhar e nada dando em troca.

E, sentindo-nos muito virtuosos por lastimarmos os tais “velhinhos, coitadinhos”, seguimos com as nossas vidinhas sem sequer nos darmos conta de que os estamos a ver como desperdícios que nos ficam bem caros.

Pois bem, acho que devíamos acabar de vez com esta ideia de que os idosos não passam de um sugadouro de meios e que já nada podem contribuir para a sociedade e para o país. E, sobretudo, acabar com essa dos “velhinhos”, que até surge na boca de dirigentes de organizações supostamente de defesa dos direitos da terceira idade.

É verdade que, ao contrário do que aconteceu durante séculos ou até milénios, os idosos já não são o repositório da sabedoria da sociedade em que vivem. Tudo muda agora demasiado depressa e é quase impossível uma pessoa de uma certa idade conseguir acompanhar essas contínuas evoluções, sobretudo quando ouve repetidamente que isso já não é para ela.

Mas isso não significa que seja inútil! Muitos idosos seriam até bem capazes de trabalhar, de “contribuírem”, se não estivessem sempre a ouvir dizer que o seu tempo já passou e que está na altura de darem lugar aos novos, sendo arrumados a um canto com o pretexto, repito, muito “virtuoso” de que já trabalharam muito e agora é altura de descansarem.

E a reforma obrigatória, pelo menos para quem é do Estado, também não ajuda. Será que quem fala em diminuir a idade em que nos podemos reformar está ciente dos inúmeros problemas psicológicos que muitos reformados enfrentam precisamente porque se sentem postos de lado, como uns sapatos velhos?

Para quem trabalhou toda a vida, parar de repente, como acontece agora, não é de modo algum a melhor solução. De membros da sociedade plenamente contributivos, passam, literalmente de um dia para o outro, a desocupados. Ora isso não está certo, penso até que a reforma devia ser facultativa, quem assim o desejasse poderia continuar a trabalhar. E mesmo que a esmagadora maioria aceitasse ir para casa, o simples facto de terem essa opção seria um bom estímulo psicológico.

Passando agora à solidão, esta é mais uma das muitas questões em que se fala muito, mas nada se faz. No fundo, achamos perfeitamente natural que os idosos vivam separados de nós e nem sequer pensamos em como passam o tempo. Esse assunto só vem à baila quando algo acontece. Por exemplo, os infelizmente vários casos em que idosos foram descobertos mortos em casa semanas ou meses depois de terem falecido.

E se em vez de os ostracizarmos fizéssemos um esforço para lhes proporcionar algum contacto humano?

Não custaria muito uma junta de freguesia criar a chamada “árvore telefónica”, em que todos os dias um idoso recebe uma chamada da pessoa antes dele na tal árvore e, logo a seguir, fala com a que vem depois dele nessa estrutura. Nem que a conversa se limite a um “olá” e “como está” já era uma ligação a outras pessoas. E caso alguém não respondesse, isso seria de imediato um sinal de alarme. E lembremo-nos que estes casos têm todos acontecido em freguesias minúsculas que lutam com unhas e dentes contra a sua fusão numa única maior com o pretexto de que iriam perder o contacto com a população. Pois!

Mais ainda, que tal pensarmos em “adotar” um avô ou uma avó? Só faria bem aos jovens terem contacto com alguém bem mais velho e o idoso em questão não se sentiria posto de parte só por ter passado do “prazo de validade”.

E os lares não têm de ser o que muitos são agora, “armazéns” onde se despejam idosos indesejados. Sim, muitos acabam por ter de recorrer a uma dessas instituições porque precisam de cuidados que a família não tem condições de lhes prestar. Mas por cada um destes há muitos outros que são simplesmente largados ali para não incomodarem a vida de ninguém.

Sempre achei curioso que haja tantas regras para a criação de um lar, mas que nada se faça para manter os seus utentes inseridos na sociedade que os rodeia. Fala-se em terem animadores culturais, motoristas, enfim, um nunca acabar de pessoal, mas resume-se tudo a mantê-los dentro daquelas quatro paredes, para que não perturbem o “mundo real”.

Ou seja, temos “eles” e “nós” e um abismo entre ambos. E isto está errado a muitos níveis e para os dois lados.

Sim, temos vidas ocupadas, o pouco tempo livre que  nos sobra devia ser para nossa diversão, só que tudo isso não passa de uma fuga a uma situação que nos é, confessemo-lo, desagradável.

É que, se formos sinceros connosco, teremos de admitir que uma das grandes razões de pormos os idosos de parte é que a sua existência é um lembrete, nada bem-vindo, de que é esse o nosso futuro, de que, a médio ou a longo prazo, será a nossa vez de sermos tratados como lixo e postos totalmente à margem de tudo e de todos. E a nossa resposta a esse temor é enfiar a cabeça na areia e fingir que nada disso irá acontecer, que ficaremos novos para sempre...

Já agora, o meu outro blogue, Ir para novo, trata precisamente de envelhecer, Pode encontrá-lo em https://irparanovo.blogs.sapo.pt/

Para a semana: É o clima! – Os bem-pensantes descobriram as alterações climáticas... e a culpa é do Ocidente.

11
Fev22

20 - Lamento os idosos com dinheiro

Luísa

Ao escrever este título sei bem que estou totalmente em contracorrente com a opinião vigente no nosso país. Sejam políticos, comentadores ou simples membros da sociedade, só ouvimos lastimar os “velhinhos, coitadinhos” que têm pensões miseráveis. E sim, são muito baixas e seria bom e justo que tivessem muito mais depois de uma vida de trabalho.

Ouvimos também dizer muito, “Fulano ou Sicrana está bem na vida, tem uma bela reforma.” Ou até, “Com a reforma que recebe, não deve ter preocupações.”

Até certo ponto esta atitude não me espanta porque vivemos num país que parece acreditar que o dinheiro é a pedra mágica que resolve todos os problemas. O ensino é mau? Aumente-se o orçamento da Educação! Saúde? Mais dinheiro, claro! Não há setor nenhum que não funcionasse às mil maravilhas se tivéssemos uma fábrica de dinheiro para distribuir a rodos.

O problema é que no caso dos idosos esta atitude tem consequências bem graves. Com as atenções viradas exclusivamente para as pensões baixas, todos os apoios são-lhes dedicados, desde refeições ao domicílio a todo o tipo de ajudas com compras, etc.

Segundo parece, um reformado com dinheiro não tem necessidades. Ou se as tem, basta pagar e pronto, problema resolvido.

Ora a realidade é bem diferente. Senão, vejamos.

Se um idoso tem problemas em movimentar-se, não é o dinheiro que o vai alimentar. Precisa de ajuda com as compras básicas e, acima de tudo, com a confeção de refeições. Se pode sair, mesmo com limitações, tem, claro, a solução de comer fora. Mas, e se não pode? Pois bem, está por conta própria.

Dir-me-ão, pode sempre encomendar via Uber Eats (passe a publicidade) ou outro serviço similar. A sério? Acham mesmo que uma pessoa de 70, 80 ou mais anos se entende com essa “modernice”?

Dirão ainda, mas há refeições congeladas que podem comprar em quantidade e ir comendo. O primeiro problema é que pessoas dessa faixa etária são de uma época de “o congelado é mau”. Segundo, já repararam nas doses? Para a maioria dos idosos dão para duas ou três refeições e não há como descongelar só uma parte.

Já agora, num país em que tanto se fala do envelhecimento da população, que tal uma das muitas empresas de congelados criar embalagens para idosos em que a dose normal era dividida em duas secções, seladas individualmente, assim os que comem muito usavam ambas, mas os que comem pouco descongelavam só uma.

Há ainda um fator que afeta sobretudo as mulheres idosas e que se resume à célebre frase, “só para mim não vale a pena”. E acabam por viver de chá e umas bolachinhas, com gravosas consequências para a saúde, andando pior alimentadas do que muitos idosos com uma fração da sua reforma mas que têm acesso a refeições levadas a casa.

E para terminar este tema, porque será que esses serviços, sejam da Câmara ou da Paróquia, não funcionam a duas velocidades? Gratuito para quem não pode pagar e pago para quem tem uma boa reforma. Com a vantagem de que os pagantes ajudavam com as despesas, permitindo assim chegar a mais pessoas.

Um outro problema para os reformados “ricos” é a solidão. Vivem normalmente em bairros melhores, em que não há o sentido de vizinhança de bairros mais populares. Repare-se até que o célebre trabalho da Polícia de identificar e verificar periodicamente a situação dos idosos da sua área só existe em determinadas zonas, quase todas no centro das cidades, onde não residem muitos reformados com boas posses.

Mais ainda, como a reforma advém dos descontos que fizeram durante a chamada vida útil, isso significa que passaram muita da sua vida adulta a trabalhar, com pouco espaço para amizades e contactos externos. Uma vez reformados, esses contactos diários acabam e veem-se de repente num enorme vazio em termos de relações humanas. E muitos estão demasiado arreigados aos seus hábitos para procurarem novas amizades ou para travarem novos conhecimentos.

Sim, há muitos locais onde o poderiam fazer, nomeadamente os centros de dia, o problema é que estes são frequentemente vistos como locais onde largar familiares idosos de que não se pode tomar conta durante o dia. Junte-se-lhe a vertente económica, ou seja, a preferência ou até exclusividade dada a quem tem reformas baixinhas e vemos que não há muitos sítios que possam frequentar com atividades e diversões próprias para a sua idade.

Como passamos a vida a importar dos EUA coisas terríveis, que tal usarmos uma boa para variar? Trata-se de um país cheio de prédios para reformados, aldeias de reformados, bairros de reformados, enfim, um nunca acabar de soluções para uns chamados “Anos de Ouro” ativos e confortáveis. A grande crítica que lhes é feita é que são só para quem tem posses, deixando implícito, tal como aqui, que um idoso com dinheiro está por conta própria e não merece nada da sociedade em que vive.

O que me leva aos lares. Vemos frequentemente na televisão rusgas feitas a lares sem condições, que são logo encerrados – curiosamente, arranjam sempre vagas em lares “oficiais” para quem dali é tirado, deixando-me suspeitosa sobre se quem denunciou a situação não terá sido um familiar desesperado por não arranjar uma solução legítima para um idoso a seu cargo...

Estou totalmente de acordo que lares maus e sem condições devam fechar e que se deviam criar lares suficientes para quem precise (ou queira) de viver num. E com boas condições de vida de acordo com uma regulamentação virada para a realidade e não para coisas míticas como exigir só quartos individuais e com banho privativo – atendendo a que muitos idosos não podem ir à casa de banho sozinhos, faz-lhes alguma diferença se esta for comum?

Mas também aqui temos discriminação contra idosos com dinheiro. Há lares que custam 3 ou 4 mil euros por mês e em que o tratamento dado aos utentes é tão mau ou pior do que em lares sociais que custam uma fração disso. E já alguém ouviu falar em fiscalização ou encerramento compulsivo desses estabelecimentos supostamente de luxo?

Ou seja, uma pessoa trabalha toda a vida para vir a ter uma boa reforma, vai fazendo umas poupanças para não ter preocupações financeiras nos últimos anos de vida, paga um balúrdio mensal a um lar para garantir que é bem tratada e afinal é assim?

Francamente, é mais do que altura de, como sociedade, começarmos a olhar para as necessidades reais dos idosos sem as reduzirmos, pura e simplesmente, ao valor da reforma que auferem.

Os “ricos” também são gente!

 

Para a semana: Os falsos sinónimos – em que se fala de eutanásia, descentralização...

01
Out21

1 - A Geração Esquecida

Luísa

Ouvimos continuamente falar dos problemas das mulheres jovens com filhos, dos jovens, dos velhinhos, enfim, de todo o mundo e arredores, mas há um grupo que escapa sempre a este festival de “choro e ranger de dentes”. Ora esse grupo esquecido é precisamente o da minha geração e o problema mais ou menos inédito que enfrentamos, pelo menos com esta dimensão.

E quem é esta geração esquecida? Pois bem, são pessoas de mais de sessenta anos, na sua maioria mulheres, em idade de apreciar o que lhes resta da vida e de repousarem e se divertirem um pouco agora que estão reformadas ou quase, mas que se deparam com o grave problema de terem de cuidar dos pais idosos.

Graças ao tremendo aumento da esperança de vida, esta situação é cada vez mais frequente e com tendência para piorar. E estranhamente, pelo menos para mim, nunca se ouve falar desta questão – exceto, evidentemente, para as habituais queixas sobre o “envelhecimento da população e a necessidade de importar imigrantes, sejam eles quem forem.

Bem sei que há lares e centros de dia, embora não na quantidade e qualidade desejáveis. Mas para muitas de nós (sim, falo no feminino porque, repito, esta situação atinge sobretudo mulheres) é uma solução que nem sequer se põe, sobretudo um lar, não só por razões económicas mas também de “moralidade”, digamos: fomos educadas na ideia de que nos competiria cuidar dos nossos pais quando já não o pudessem fazer e é isso mesmo que tentamos fazer, custe o que custar.

E quanto aos centros de dia, há idosos que se recusam liminarmente a frequentar um, sem falar nos que têm graves problemas de mobilidade e para quem qualquer deslocação é uma enorme complicação, para si e para quem cuida deles. Mais ainda, nem sempre há um perto de nós que seja bom, tenha vagas e um horário compatível.

E ao contrário das mulheres com filhos pequenos, que tentam equilibrar vida familiar, pessoal e profissional e de que tanto se fala, sobretudo para exigir quotas para tudo e mais alguma coisa, a nossa situação agrava-se e de que maneira com o passar dos anos, não só porque também vamos ficando mais velhas e a precisar nós próprias que cuidem de nós, mas ainda porque os idosos a nosso cargo vão piorando e exigindo cada vez mais atenção e disponibilidade.

E em sequer falo de idosos com início de Alzheimer ou outras condições que exigem uma atenção continuada e que se torna incompatível com termos vida profissional ou até pessoal.

Numa altura em que sem obrigações profissionais – refiro-me às reformadas, claro – poderíamos viajar, passear, dedicarmo-nos finalmente às atividades de lazer que fomos adiando, muitas vezes devido a compromissos familiares de filhos e família, vemos a nossa liberdade a ser cada vez mais restringida por não podermos ausentar-nos, primeiro por uns dias, depois até por umas horas.

E não há qualquer ajuda à vista. Eu tenho a sorte de ter alguém de confiança que me dá umas horas por dia e que ajuda sempre que é preciso, mas para muitas outras pessoas nesta situação nem isso é possível. Como encontrar alguém de confiança, que cuide bem de um idoso e que seja bem aceite por este? Seria uma boa proposta para um curso profissional de curta duração! É claro que seria necessária uma garantia de como não estamos a meter em casa alguém que nem sabemos quem é, talvez as juntas de freguesia pudessem tratar de uma espécie de certificação de cuidadores de terceira idade.

Sim, há cada vez mais empresas que fornecem pessoal que cuida de idosos, mas o custo é muitas vezes incomportável para a maioria das bolsas e nem sempre resolve o problema aparentemente simples de nos “libertar” por umas horas ou, melhor ainda, por uns dias. Tenho a certeza de que são ótimos para quem os possa pagar e, sobretudo, caso sejam precisos cuidados médicos, fisioterapia, etc.

Para além da progressiva falta de tempo livre, há também a questão física. É que a idade começa a pesar-nos e ajudar os nossos idosos a levantarem-se, a caminhar, a deitarem-se, a tomar banho, enfim, as mil e uma coisas em quem nem pensamos quando estamos em plena forma física, torna-se cada vez mais complicado com a deterioração da nossa saúde. Pior ainda, esses esforços levam a um agravamento forte de problemas de costas e outros com que poderíamos viver alegremente durante anos sem darmos muito por eles.

Basicamente, o que faz falta é um serviço de baby-sitters para idosos!

Poder receber em casa refeições adequadas a restrições dietéticas e à idade avançada seria uma ótima ajuda, mas os serviços que existem apenas servem carenciados. Segundo parece, quem tem dinheiro não precisa de ajuda! Porque será que não se lembram de fornecer as mesmas coisas de dois modos diferentes, gratuitas para quem não tem meios económicos e a pagar para quem os tem (e estes valores ajudariam certamente com as despesas).

E há ainda a questão psicológica. Todos sabemos que certos defeitos se agravam com a idade, como a teimosia, por exemplo, e ao fim de uns anos a aturar sempre as mesmas atitudes, a paciência começa a faltar para aturar coisas a que antes nem ligávamos. E quando entramos em depressão devido ao isolamento e a todos estes problemas, quem cuida de nós? Pior ainda, quem cuida dos idosos a nosso cargo, se lhes viermos a faltar?

Pois é, em vez de falarem tanto sobre o envelhecimento da população e os “velhinhos, coitadinhos” (nunca percebi porque é que os idosos são sempre os velhinhos e acima de tudo, coitadinhos!) talvez fosse preferível olhar para os problemas que realmente existem e tentar arranjar soluções que ajudem a sério esta Geração Esquecida.

Para a semana: Os Homens Não Devem Ajudar em Casa - leiam, a sério, não é o que pensam.

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