203 - Vira o disco e toca o mesmo
Muitos ainda se lembram, certamente, da célebre “cassete” dos líderes do PCP, estava de tal modo entranhada que nem sequer fingiam estar a dar uma resposta ou a fazer um comentário, debitavam o texto decorado a alta velocidade e num tom monocórdico de fazer adormecer qualquer um.
Pois bem, apesar de não ser exatamente a mesma coisa, há certos temas e situações que levam, inevitavelmente, a respostas automatizadas por parte de políticos, “comentadores” e quejandos. E ainda falam dos perigos da inteligência artificial! Pela minha experiência pessoal garanto-vos que a maior parte desses programas fariam bem melhor figura e seriam muito menos repetitivos.
Um dos assuntos que gera esse tipo de reação é, claro está, o dos incêndios que nos assolam repetidamente, quase sempre com início, misteriosamente, durante a madrugada e que se alastram, em muito pouco tempo, a vastas áreas, muitas delas já vítimas do mesmo em anos anteriores.
E qual é a “cassete” neste caso? Os eucaliptos! Curiosamente, parece escapar a todos esses “especialistas” que os eucaliptais pertencentes a grandes empresas não ardem. Ora perante este “detalhe” não seria de analisar as diferenças entre essas situações para daí tirar conclusões?
Bom, a primeira, é que esses eucaliptais são limpos como deve ser, ou seja, não há toneladas de mato entre as árvores. Depois, são vigiados e têm bons caminhos, ou seja, caso surja um foco de incêndio, é fácil chegar-lhe.
É muito fácil acusar as populações das zonas que ardem de não limparem os terrenos. Mas quantos deles são do Estado, que nada faz? E há quanto tempo ouvimos dizer que faz falta haver atividade produtiva nessas áreas, criação de gado – nomeadamente cabras e porcos – e outras, em vez de as transformar, à força, em reservas naturais que, por falta de meios (outra das “cassetes” usuais) não são devidamente cuidados e patrulhados?
Isto para não falar nos acessos que não existem porque poderão destruir um arbusto ou similar – sim, arder tudo é uma solução bem melhor – e das penas ridículas para os incendiários, isto quando chegam a ser condenados.
Resumindo, em vez da “cassete” dos eucaliptos que tal estudarmos a questão a sério, com verdadeiros especialistas (mas com um prazo, senão daqui a 50 anos ainda estão nisso) para que se resolva ou, no mínimo, minore esta autêntica praga anual. Pequeno pormenor, quando digo especialistas, refiro-me aos autênticos, sem palas partidárias ou enfeudamentos a teorias woke.
Outra “cassete” muito popular atualmente tem a ver com os “migrantes” – muito francamente, não lhes chamarem emigrantes já diz muito sobre o pendor ideológico de quem usa esse termo. Sempre que se protesta contra a política de portas abertas instaurada no nosso país sobretudo sob o “reinado” do Costinha, lá vem a inevitável frase: “estão a esquecer-se dos muitos portugueses que foram ilegalmente para a Europa no tempo do Salazar.”
Muito francamente, em que universo paralelo é que a situação é similar? É que esses portugueses iam à boleia, de bicicleta ou até a pé! Ao passo que os tais “migrantes”, que saem, supostamente, dos seus países porque vivem na miséria, arranjam, espantosamente, milhares de euros para chegarem à Europa – há uns cinco anos, cruzar o Mediterrâneo num bote ficava entre 7 e 10 mil euros. Alguém me explica onde arranjam o dinheiro, por meios honestos, claro está?
Mais ainda, esses portugueses que foram para a França e Alemanha eram, de facto, olhados de lado pelos habitantes locais. Mas só de início, ao fim de muito pouco tempo português passou a ser sinónimo de trabalhador esforçado e engenhoso e alguém que valia mesmo a pena contratar. Podemos dizer o mesmo dos que nos entram agora portas adentro?
Ou seja, para além de errónea, esta é uma “cassete” que insulta os muitos portugueses que foram ganhar a vida, pelo trabalho e não pela criminalidade, em outras terras e que, diga-se de passagem, contribuíram, e de que maneira, para o desenvolvimento do nosso país, não só com remessas de dinheiro mas também com ideias e projetos que implementaram quando regressaram à terra.
Finalmente, a mais do que gasta “cassete” acima citada, a falta de meios, usada para tudo e mais alguma coisa. Atrasos na Justiça? Não há meios. Temos Urgências fechadas, listas de espera enormes no SNS? Pois, falta de meios. Ou seja, qualquer que seja a área de atividade ou o problema, a não resolução deve-se sempre ao mesmo, a já lendária “falta de meios”.
Para além do pequeno detalhe de que parece que temos uma pontaria exímia para escolher os meios errados – por exemplo, nos meios aéreos de combate a incêndios – será mesmo verdade ser essa a razão das coisas não funcionarem ou funcionarem mal?
A suposta falta de médicos, por exemplo. Portugal é o segundo país da UE com mais médicos por 100 mil habitantes (562), sendo batido apenas pela Grécia (629) – a média europeia é 405 (valores do Eurostat). O mesmo se passa com o número de polícias, em que somos o quarto da UE com 451 por 100 mil habitantes – média europeia, 318.
Ou seja, se calhar o problema não está na falta de meios mas, muito simplesmente, em não sabermos utilizá-los de um modo eficaz e eficiente. Por exemplo, quantos polícias estão a exercer funções que nada têm a ver com a sua profissão (motoristas, escriturários, etc.)? Isto para não falar na Polícia Municipal que, na “douta” opinião do Ministério Público, está restrita a passar multas apesar de os seus membros serem polícias a sério.
Enfim, está na altura de pormos de lado estas e outras “cassetes” e começar a olhar para os muitos problemas que afligem o nosso país não à luz de ideologias ou de interesses partidários mas com a vontade firme de os resolver, doa a quem doer.
Para a semana: Falemos de educação. Perante alguns comentários e notícias que li recentemente, é altura de voltar ao assunto.
