194 - É desta! Vamos acabar com a burocracia!
Quando vim definitivamente para Portugal nos anos 80, uma das promessas que me lembro de ouvir logo nas primeiras eleições que aqui passei foi, precisamente, “vamos acabar com a burocracia”. E quarenta anos depois lá vem a mesma promessa, entretanto repetida em todos os períodos eleitorais. Houve, até, governantes que se gabaram de a ter conseguido simplificar – e houve, de facto, alguma simplificação em certas áreas, mas que foi prontamente colmatada por novas burocracias.
O pior até nem é haver tanta mas sim a sua ineficiência. Geramos, há séculos, toneladas de documentos mas, quando é preciso encontrar alguma coisa, bom, aí a história é outra. Até nesta era supostamente informatizada, o cruzamento de dados deixa imenso a desejar, sobretudo porque muito frequentemente os sistemas dos vários ministérios ou, até, de departamentos deles, são totalmente incompatíveis.
E muitas vezes os próprios serviços não fazem ideia do que é preciso para determinado resultado. Por exemplo, as Finanças exigiram-me em tempos um documento do meu Banco – a mim e a muitos outros – e este não o tinha. Fui tentar resolver o assunto, perdi horas à espera e o que me valeu foi um dos funcionários, já idoso, ter ouvido a questão e dado a solução, com grande espanto dos seus outros quase 30 colegas presentes, que a desconheciam.
Eliminar ou, até, reduzir a burocracia, de facto, uma missão impossível, não só devido à tremenda inércia de todo um sistema criado e refinado ao longo de séculos mas também porque há duas forças que lutam para manter as coisas como estão: sindicados e Tribunal Administrativo. Bom, três, os próprios funcionários públicos.
E é por estes que vou começar.
Sempre que os utentes se queixam de atrasos ou complicações, a reação é sempre a mesma: falta de meios – mas, atenção, se lhes pedirmos que digam exatamente do que precisam para cumprir a sua missão, bom, bem podemos esperar sentados. Junte-se a isso o “choradinho” na altura das greves de que estão sobrecarregados de trabalho e fica a imagem de um pobre funcionário público que trabalha arduamente sem ferramentas de trabalho à altura da dificuldade da tarefa.
Só que... será sobrecarga, o velho “deixa andar” ou incompetência e falta de produtividade?
Quando o país se começou a informatizar, ou antes, já muito depois disso, quando quase todo o gato sapato usava computadores com à vontade, ainda se ouvia muito dizer em repartições públicas, “tem de voltar noutro dia, a pessoa que usa o computador não está.” E sei que podiam ter acesso a cursos de informática do utilizador em horário laboral.
E há também a rotina. Há uns anos tive de ir às Finanças de Cascais entregar um documento, era uma simples entrega, pois bem, tive de voltar duas semanas depois porque “a pessoa que trata disso está de férias”. Já agora, como corolário, uns tempos depois tive de voltar lá por outra questão e ouvi a conversa entre uma das funcionárias e uma solicitadora que estranhara a sua presença naquele balcão, que não era o seu usual – dito em tom queixoso e de vítima assoberbada, “O Portas exige que todos aprendam o trabalho uns dos outros para que nos possamos substituir quando for necessário.”
Passemos aos sindicatos. Com a diminuição ou, até, a extinção de certas indústrias com muita mão-de-obra e a sua substituição por outras que nada querem com sindicatos enfeudados a partidos políticos, o funcionalismo público é o seu último grande bastião. Escusado será dizer que as únicas mudanças que querem ver é mais pessoal, menor horário de trabalho e mais regalias. E tudo o que cheire a ir alterar, por muito pouco que seja, os interesse instalados dá logo direito a manifestações e greves.
Ora, ao contrário do que disse o atual PM, não é possível reduzir a burocracia sem que haja alterações nos quadros que a sustentam. A simplificação, fusão ou extinção de muita dela implicaria, inevitavelmente, a transferência de pessoal de uns serviços para outros, a sua formação em novas técnicas de trabalho ou, até, o seu despedimento.
É claro que toda esta mudança passa, também, por um levantamento a sério e célere dos funcionários existentes, das suas habilitações e, acima de tudo, do que fazem, exatamente, no serviço a que estão afetos. Suspeito, fortemente, que se iria descobrir que muitos pouco ou nada fazem porque as suas tarefas mudaram e eles não acompanharam a mudança. E se acham que estou a exagerar, sabiam que a RTP, empresa pública, teve de manter durante anos nos seus quadros alguns eletricistas que nada faziam porque o tipo de equipamentos que mantinham fora retirado de serviço e se tinham recusado a aprender a cuidar do novo?
Já tivemos um PM que propôs a transferência de excedentários para outros serviços, sendo vilipendiado por isso, claro. Uma das propostas dele é que a parte burocrática das esquadras ficasse a cargo de funcionários públicos não polícias, libertando estes para trabalho policial. Comentário dos sindicatos? “Mas o que é que essas pessoas sabem do funcionamento de uma esquadra?” Bom, pelos vistos nasceram ensinadas para as suas atuais funções...
E quando se fala em reduzir pessoal, bom, vêm sempre com os médicos, enfermeiros e professores. É que, evidentemente, estes constituem a totalidade, ou quase, dos 758 889 funcionários públicos existentes no primeiro trimestre de 2025 (em 5,1 milhões de trabalhadores).
Quanto ao Tribunal Administrativo, não sigo de perto as suas decisões, mas nunca o vi ir contra um “trabalhador”. Como o caso que me chocou profundamente de uma chefe de secção presa e condenada por roubar os seus subordinados (malas, carteiras, o que calhava) e que, tendo sido despedida, o dito Tribunal ordenou a sua reintegração, mais ainda, com direito aos aumentos e regalias a que teria direito se não estivesse presa!
Com tudo isto contra qualquer reforma a sério da burocracia que, repito, tem de passar por mudanças nos que a criam e perpetuam, não acredito que se consiga mudar seja o que for, por muito boa vontade que haja em fazê-lo.
Para a semana: Profissão: manifestante Já repararam que Ocidente fora temos sempre os mesmos a protestar contra tudo e mais alguma coisa?
