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Luísa Opina

Neste blogue comentarei temas genéricos da nossa sociedade. Haverá um novo texto todas as sextas-feiras

Neste blogue comentarei temas genéricos da nossa sociedade. Haverá um novo texto todas as sextas-feiras

Luísa Opina

30
Ago24

151 - Livros / Filmes / Séries que gostava que existissem

Luísa

Leio vorazmente e tento ver alguns filmes e séries televisivas, mas deparo-me cada vez mais com um mesmo problema, basicamente, temas sempre iguais e que, infelizmente, pouco ou nada me interessam ou que deixaram de me interessar pela falta de originalidade.

Mais ainda, fica-me a sensação de que, “para não ofender”, muitos escritores e argumentistas evitam tratar assuntos que possam ser polémicos ou que estejam em contracorrente. Limitam-se, pois, a “fazer mais do mesmo” – já repararam na enorme quantidade de novas – e woke – versões de filmes e séries que se fazem atualmente? Em livros estamos um bocadinho melhor, mas não muito, há a imensa preocupação por parte de muitas editoras de ter uma panóplia diversificada de autores e, a avaliar por alguns catálogos, ser “diferente” – ser mulher também conta – e tratar de um terma da moda parecem ser mais importantes do que a qualidade da obra.

Pois bem, aqui ficam algumas sugestões minhas para temas futuros... não que tenha grande esperança em vê-los numa livraria ou num ecrã.

Comecemos.

É tema central ou secundário de inúmeros livros ou filmes / séries  o rapaz que “se sente rapariga” e que vai para a escola de saias e com maquilhagem sendo, por isso, vítima de todo o tipo de agressões, verbais ou físicas, com cenas à mistura dos pais – ou, pelo menos um deles – a tentarem que se interesse por desporto e que troque as bonecas por brinquedos “mais masculinos”.

Mas... imaginemos que o dito rapaz tem uma irmã e que esta detesta todos esses frufrus. Nunca se maquilha, usa simplesmente o cabelo amarrado de um modo prático, só se sente bem de calças, adora desporto e os seus brinquedos favoritos são kits de construção. Pequeno detalhe, sempre se sentiu rapariga, sabe que é rapariga e adora sê-lo.

Que tal vermos a história do ponto de vista dela? Como acham que se sente ao ouvir de todos, professores, psicólogos, comunicação social, que ser mulher é pintar-se e usar vestidos? Que as coisas de que gosta não são próprias de uma rapariga, uma vez que o irmão as detesta porque “se sente rapariga”? Pior ainda, se tentar falar com alguém sobre o que sente, começa imediatamente a levar uma lavagem ao cérebro de que ela é, quase certamente, um rapaz no corpo errado...

Era uma história que eu leria / veria de boa vontade.

Outro tema muito em voga é o racismo, no sentido que lhe dão atualmente, ou seja, brancos contra outras raças. E lá vêm os livros / filmes / séries, ou parte deles, em que alguém de outra raça se muda para um bairro branco e é, no mínimo, ostracizado.

Mas... porque será que nunca vemos nada sobre os inúmeros casos de brancos, muitas vezes idosos sem recursos, cujos bairros foram sendo ocupados por pessoas de outras etnias, o termo da moda, e que são alvo de todo o tipo de pressões, para não falar em ataques e insultos, para que se mudem “porque não queremos brancos aqui”?

Ainda na mesma onda, que tal algo sobre o que se passa com alunos brancos minoritários numa escola, sobretudo em certas zonas das cidades? Ou sobre a vida de uma não cigana que casa com um cigano, tendo de se adaptar totalmente ao seu modo de vida e sabendo que, por muito que faça, será sempre vista como uma intrusa.

Mudando de assunto, temos, também, inúmeras obras sobre o sofrimento psíquico e moral de homens que, sabendo que são homossexuais, casam para “fazer como toda a gente”, têm filhos e um dia decidem anunciar o que são, de facto, tendo problemas com a mulher que não aceita bem toda essa história e que é, por isso intolerante e má.

Só que... é curioso não haver nada, que eu saiba, que conte a história dessas mulheres, que passaram anos num casamento nada entusiasmante, sempre a pensarem se eram elas o problema. Mais ainda, será que voltam a confiar num homem o suficiente para refazerem a sua vida? Quantos meses, anos, passarão a repisar todos os momentos da sua vida em comum para verem se lhes escapou algo, se “deviam ter sabido”, como se ouve muito dizer?

Último “desejo” deste post, a toxicodependência. Não faltam cenas / obras inteiras com a descida aos infernos de um drogado, o que faz para ter uma dose, os seus problemas físicos e psíquicos, etc.

Mas... que tal falarmos da família desse toxicodependente? Da escalada da situação, degenerando, muitas vezes, em roubos e agressões, do sentimento de impotência perante o agravamento do vício, dos problemas financeiros em que ficam para tentarem tratar o seu filho ou filha? É que, quando surgem num livro ou outra obra, são tratados como sendo a principal causa do problema, são vistos como os maus da fita, sobretudo se, após situações mais graves, expulsam o filhote de casa. Então se forem pessoas da classe média, trabalhadoras e decentes, bom, é certo e sabido que a culpa é toda deles.

Haveria muito mais sugestões, claro, sobretudo se incluirmos a moda de dois pesos e duas medidas, também muito querida atualmente. Por exemplo, pais cristãos que não aceitam que o filho seja homossexual, mas nem pensar em falar de um muçulmano na mesma situação... Ou uma rapariga de uma família muito religiosa, leia-se, cristã, que fica grávida e é expulsa de casa, uma sorte bem melhor do que se a família fosse adepta ferrenha do Islão, como provam os inúmeros “crimes de honra” Europa fora.

Finalizando com a atual moda de fazer versões “iluminadas” de contos de fadas e a propósito da nova Branca de Neve – que não é branca e, à revelia da história, não é mais bonita do que a rainha – e pegando no que a atriz que a interpreta disse numa entrevista sobre ela (a Branca de Neve) ser uma mulher moderna e que, por isso, não toma conta da casa dos anões, que tal modernizá-la a sério e pô-la a trabalhar na mina, dando folga, temporária ou permanente, a um dos anões?

Para a semana: “Fake News”. Um assunto cada vez mais falado

23
Ago24

150 - Falemos de estatísticas

Luísa

Há uns dias li sobre uma listagem de rendimentos médios em Portugal, ou antes, de quanto se ganha em média, concelho por concelho. E meramente por acaso, uma vez que já há muito que deixei de prestar atenção a certos comentadores de “elite” das nossas televisões, apanhei o Marques Mendes a falar do assunto.

Basicamente, a lista mostra uma grande discrepância entre os concelhos em que se ganha mais e aqueles em que se ganha menos. O quadro abaixo mostro apenas os 5 mais “ricos” e os 5 mais “pobres”:

Oeiras

14 009

Lisboa

12 898

Cascais

11 859

Alcochete

11 594

Coimbra

11 493

Resende

6299

Valpaços

6304

Cinfães

6479

Santa Maria de Penaguião

6600

São João da Pesqueira

6887

 

Sim, à primeira vista, a diferença entre uns e outros é de facto enorme. Só que há outros fatores que se devia ter em conta.

Por exemplo, o tipo de economia de cada conselho. Zonas mais rurais têm, necessariamente, uma média de rendimentos inferior do que outras mais industrializadas, sobretudo se incluem empresas tecnológicas ou de serviços, com pessoal mais especializado.

Houve, também, uma referência às diferenças entre várias zonas do mesmo concelho, Lisboa, por exemplo. O grande problema é que este tipo de estatística só tem em conta dois fatores: população ativa e salários “oficiais”, digamos. Ou seja, locais onde haja muita gente a trabalhar por conta própria ou em certas profissões ficam subavaliados relativamente a zonas com empregos mais convencionais e onde é fácil conhecer os salários pagos.

Isto sem contar com áreas das grandes cidades onde a média dos salários ganhos é baixíssima devido à enorme concentração de pessoas a receberem o erroneamente denominado Rendimento Mínimo – que não conta – ou onde grassa o tráfico de drogas e outras atividades criminosas que rendem bom dinheiro.

Mas o grande fator aqui ignorado está no custo de vida. Ou será que acham que viver em Oeiras ou Cascais custa o mesmo que residir em Valpaços ou Cinfães, tendo em conta que a maior fração das despesas das famílias portuguesas tem a ver com a compra / aluguer da casa onde habitam?

Todos sabemos que o preço de venda varia imenso, até dentro de uma mesma cidade – veja-se o Príncipe Real e Marvila, em Lisboa, por exemplo. E o mesmo acontece com os arrendamentos.

Na preparação deste post descobri uma tabela com as rendas máximas permitidas para 2024, município por município, ao abrigo do Decreto-lei 90C-2022. Muito francamente, duvido seriamente que seja cumprida...

Mas aqui fica ela para os 10 concelhos indicados acima:

Rendas

T0

T1

T2

T3

Oeiras:

635

775

1000

1200

Lisboa

635

900

1150

1375

Cascais

635

775

1000

1200

Alcochete

512

512

635

700

Coimbra

512

512

635

700

Resende

335

335

473

473

Valpaços

335

335

473

473

Cinfães

335

335

473

473

Penaguião

335

335

473

473

SJ Pesqueira

335

335

473

473

 

Mesmo partindo do princípio que estes valores eram reais, ou seja, que ninguém pagava mais do que o valor decretado, note-se que um T3 custa quase o triplo em Oeiras do que em São João da Pesqueira.

Não ponho em causa a existência de assimetrias, algumas até bem grades, no nosso país. Só que a sua análise não é tão linear como nos querem fazer acreditar com base em estatísticas como a que referi, “concelhos onde se ganha mais e onde se ganha menos”. E muito menos reduzindo, basicamente, a situação a “litoral rico, interior pobre”.

E há ainda a questão do termo “média”. É que basta um pequeno grupo ter um valor muito elevado mas ter de haver um outro com um valor muito baixo para que a média bata certo. E em concelhos como Oeiras ou Cascais, há, certamente, uma percentagem, se calhar até nem muito pequena da população, que tem salários estratosféricos, levando a um valor “médio” alto.

Um outro problema com o uso de estatísticas é a sua contração ou dilatação para dar uma imagem mais favorável ou desfavorável do que está em análise ou para ir ao encontro da conclusão pretendida. Refiro-me ao intervalo de tempo a que dizem respeito. Por exemplo, se um determinado dado estagnou ou piorou nos últimos 5 anos, digamos, faz-se uma comparação a 10, 15 ou mais anos, o necessário para se ter um resultado positivo. Ou reduz-se esse intervalo, se a intenção é mostrar como as coisas têm piorado.

Um outro modo de distorcer as coisas, ou antes, de não dar uma verdadeira imagem da situação, vem do uso de percentagens.

Para mim, este é o exemplo mais paradigmático. Há uns anos li num jornal que a mortalidade infantil em Bragança – pode ter sido noutra área, já lá vai muito tempo, mas era naquela zona – tinha aumentado 100 % no ano anterior. A minha primeira reação foi de espanto total, sobretudo porque não ouvira falar de nenhuma epidemia. Só que, ao ler a notícia, as coisas eram um pouco diferentes: dois anos antes tinha morrido um bebé e no ano em causa... dois. Mas tinha sido, de facto, um aumento de 100 %.

Um outro modo muito popular de influenciar a perceção dos factos consiste em usar ou não percentagens. Aumentos, por exemplo, seja em custos ou em salários / reformas. Estes são anunciados pelo seu valor ou em percentagem consoante o que soa melhor... ou pior. Por exemplo, anuncia-se com grande aparato que as pensões de 600 euros vão aumentar 2 %! Pois, são 12 euros, ou seja, 4 cêntimos por dia. Ou, para um efeito negativo, que o custo de um bilhete de metro vai subir 5,5 %. Tradução, custava 1,80 e passará a ser 1,90 euros.

Francamente, uma grande parte da culpa recai sobre quem vê estes dados e não para um pouco para refletir sobre o que significam, de facto. Mas isso exige espírito crítico e a capacidade de analisar números, coisas que andam há muito afastadas do nosso ensino.

Para a semana: Livros / Filmes / Séries que gostava que existissem. Muito ao arrepio do que vemos cada vez mais.

16
Ago24

149 - Acabados os Jogos

Luísa

Agora que terminaram os Jogos Olímpicos, decidi falar um pouco sobre algumas coisas que me chamaram a atenção. E não vou mencionar a cerimónia de abertura ou a argelina, tenho a minha opinião, claro, mas acho que já se falou quanto baste desses temas – direi apenas que achei estranhíssimo que as regras tenham mudado e que, por exemplo, se tenha posto de lado o critério do “não interessa se algo é ofensivo, só conta alguém sentir-se ofendido”.

Não acompanhei as provas tanto quanto teria desejado, os afazeres profissionais interferiram – felizmente, descobri a RTP Play e, como trabalho com dois computadores, pude ter a transmissão num deles enquanto trabalhava no outro.

A primeira coisa que me chamou a atenção foi a quantidade de atletas de topo que participaram apesar da sua “idade avançada”. Por exemplo, foi um prazer notar que na ginástica feminina por aparelhos as rapariguinhas quase anoréxicas, que se duvidava que tivessem os 14 anos mínimos exigidos, deram lugar a mulheres de 20 e bastantes sem ar de passarem fome. E em quase todas as modalidades é agora muito comum vermos atletas de 30 e tal anos, ou seja, com uma idade em que, ainda há bem pouco tempo, estariam arrumados.

Quanto à participação portuguesa, por muito que goste de ver os nossos atletas ganharem medalhas presto mais atenção a quem se ultrapassa, mesmo que o resultado global não seja dos melhores. E acho que seria desejável darem-nos mais histórias dessas. É que, muito francamente, muitos de nós nem a atletas profissionais chegaríamos, quanto mais a atletas de topo. Mas histórias de esforço, de dar o melhor, e, acima de tudo, de não desistir, podem ser inspiradoras para todos.

Como a da maratonista do Butão, a única representante no seu país – presente precisamente por não haver ninguém que atingisse os mínimos em nenhuma modalidade – e que terminou a maratona uma hora depois das outras atletas. Só que, acabou, não desistiu, apesar de saber que teria um péssimo resultado a nível internacional.

É claro que ouvimos falar da falta de apoios, é uma daquelas coisas que antes de o ser já o era... E sim, há modalidades em que, sem uma infraestrutura como deve ser, a sua prática será sempre amadora. Veja-se o que aconteceu com o ciclismo de pista, agora que existe um velódromo a sério na Anadia – e face a estes resultados, suspeito que surgirão mais...

Mas, para mim, os apoios principais deviam estar a outro nível, bem mais abaixo. Com exceção de países cujos melhores atletas treinam, por exemplo, nos EUA, os que obtêm mais êxito têm, à partida, uma grande tradição de prática de desporto. Há clubes por todo o lado, as criancinhas praticam uma ou várias modalidades – e não apenas futebol... – e, sendo assim, apesar de muitas o fazerem apenas como passatempo, partindo de uma base maior é bem mais fácil haver quem se destaque e seja encorajado a fazer um outro nível de treino.

Estarão a pensar, pois, isso é muito bonito, mas como é que esses clubes de bairro, digamos, arranjam dinheiro para terem instalações? Pois é, mas será que precisam mesmo de as ter? O país está cheio de pavilhões escolares que passam a maior parte do tempo vazios e fechados. Que tal chegar a um acordo com clubes ou organizações da zona para que os possam usar, pagando, apenas, uma pequena parte das despesas?

Mais ainda, que tal criar complexos municipais para modalidades diversas? Por exemplo, pôr uma pista de atletismo num parque público. Não precisa de ser muito sofisticada nem ter as pistas todas ou equipamento topo de gama, basta ter o suficiente para que, quem quiser, possa ali treinar ou iniciar-se em algo que viu na televisão. Francamente, com um pouco de imaginação não faltariam modos de incentivar à prática do desporto, de todo o desporto. E clubes ou organizações poderiam sempre alugar o espaço por umas horas, para um treino um pouco mais sofisticado.

E mesmo que só uma minoria mesmo muito minoria avance para uma prática mais avançada, o hábito do exercício fica. E lembro que há cada vez mais competições amadoras de todos os tipos e que as dos chamados seniores começam, até, a ter escalões etários, alguns até bem avançados, devido ao elevado número de participantes.

Mudando ligeiramente de assunto, dia 28 deste mês começam os Jogos Paralímpicos. Acompanho vagamente provas deste tipo, bom, nos últimos anos e com exceção da Fórmula 1, acontece-me o mesmo com todas as atividades desportivas, mas tenho a ideia de que os nossos atletas saem-se sempre muito bem. Só que... não são notícia!

Como ainda vai a tempo, que tal a RTP, que já anunciou que os vai cobrir, fazer algo um bocadinho diferente? Para já, explicar as diversas categorias em que os atletas são divididos e as características que estas têm. Aposto que poucos sabem disso, a menos que conheçam pessoalmente alguém que compete.

Seria, também, bom ver reportagens sobre os atletas, o modo como treinam, o equipamento de que precisam, como se tornaram atletas, enfim, ficarmos a conhecê-los e também aos muitos que os apoiam e ajudam – e, já agora, as dificuldades que encontram, sei, por exemplo, que os prémios e apoios a que t~em direito são, normalmente, pagos com imenso atraso.

É que num país – e mundo – em que o que só ouvimos queixinhas sobre “não há apoios”, “não posso fazer nada porque sou / tenho... (preencher, há sempre algo)”, seria bom vermos pessoas que não deixam que problemas físicos ou mentais as impeçam de fazerem algo de que gostam – e que muitos de nós, em plena forma física e mental, somos incapazes de fazer. E, quem sabe, poderia também levar pais com crianças com esse tipo de dificuldades a verem que há opções, que nem tudo lhes está vedado.

Para a semana: Falemos de estatísticas. Só por si, não são boas em más. Já a sua interpretação e uso, bom, é outra loiça...

09
Ago24

148 Palavras, palavras...

Luísa

Apesar de muitos dos atuais disparates da linguagem dita “inclusiva” ainda não terem chegado a Portugal, para lá caminhamos a passos largos e, quando menos esperarmos, teremos como livro obrigatório na mesa de cabeceira um dicionário com os termos que é permitido usar – exatamente como no filme Alphaville de Godard, que, apesar de datar de 1965, tem cenas que parecem bem atuais.

A inspiração para este post veio da polémica que estalou recentemente por a DGS ter usado “pessoas que menstruam” em vez de mulheres. Tivemos, claro, os defensores do costume, com grande realce para o BE. É que segundo parece, esta nova expressão é muito mais inclusiva. Mas será mesmo? Francamente, tenho as minhas dúvidas e por várias razões.

A primeira é uma questão de português. É que olhando para a dita expressão, fico a pensar: então quem ainda não menstrua ou já não o faz fica de fora? E, nesse caso, se não são mulheres, então o que são? Para acabar com esta ambiguidade, proponho, pois, a sua substituição por “pessoas capazes de menstruarem”.

A minha segunda dúvida é esta, isto não exclui as mulheres transgénero? É que estas não menstruam, apesar de passarem a vida a afirmar que são verdadeiras mulheres – vi até uma na BBC a dizer que são as únicas que entendem o que é ser mulher. Ou seja, vendo bem, é uma expressão mesmo nada inclusiva.

O mesmo se passa com mãe, termo banido em meios bem-pensantes, tendo sido substituído por “pessoa que dá à luz” ou “pessoa que amamenta”. Pois, aqui aplicam-se as mesmas dúvidas acima expressas.

O que acho curioso nisto tudo é que os homens continuam a ser homens – pessoas que ejaculam? – e os pais ainda são pais – pessoas dadoras de esperma? Nada má, esta discrepância, propagada por quem tanto berra pela igualdade de género!

E isto faz-me lembrar essa coisa da pessoa cis. Segundo parece, vem do latim, significa “do lado de”, por oposição a “trans” que significa “do outro lado”. Tudo isto para se ser mais inclusivo e menos ofensivo. Azar! Eu sentir-me-ia ofendidíssima se tivesse veia de vidrinho.

Mas há outras pérolas da linguagem moderna, de que citarei apenas algumas – a lista é longuíssima e alguns termos, traduzidos do inglês, não têm o mesmo impacto de estupidez galopante. Aqui vão eles:

- Autista. Pois, o termo correto é pessoa “neurodivergente” – já agora, quem não o é passa a chamar-se pessoa “neurotípica” e nunca, mas mesmo nunca, pessoa normal. Atenção, sou totalmente a favor de se usar “pessoa do espetro autista”, uma vez que esta condição pode variar imenso em termos de gravidade.

- Cego. Nem pensar, é agora uma “pessoa visualmente debilitada”. Ou seja, as nossas ruas e passeios podem ser uma autêntica prova de obstáculos para estas pessoas, mas tudo bem, o importante é usar o termo certo.

- Deficiente. Sim, é agora uma “pessoa com condições de saúde” ou “pessoa com disfunções”. Ou seja, pode estar anos à espera de uma cadeira de rodas ou dos apoios de que precisa desesperadamente, mas tudo bem desde que não lhe chamem deficiente.

- Fome. Boa notícia, as pessoas agora já não passam fome, sofrem de “insegurança alimentar”. Não tenho a menor dúvida de que isso as fará sentirem-se mais confortadas e de barriga aconchegada.

- Igualdade. Espantou-me imenso saber que este termo tem de ser substituído por “equidade”. A diferença? Pois, é muito simples. Em vez de se exigir igualdade de oportunidades, passa-se a exigir equidade de resultados, apesar de isso implicar, quase sempre, práticas discriminatórias. Por exemplo, nos EUA empresas tecnológicas têm de atingir a equidade entre homens e mulheres, apesar de a maioria das raparigas americanas optar por não estudar matemática ou física no liceu.

- Línguas estrangeiras. Grande novidade, algumas escolas americanas deixaram de oferecer no seu currículo línguas estrangeiras por receio de ofender quem é de fora, ou seja, estrangeiros; têm, agora, “línguas do mundo”.

- Lista negra. Adivinharam, pode ser ofensivo dizê-lo, por isso transformou-se em “lista de bloqueio” ou “lista de negação”.

- Pobres. Também já não os há, são agora pessoas “socioeconomicamente desfavorecidas”, é, sem dúvida, bem melhor.

- Vegan. Más notícias para quem o é, este termo, tão curto, deve ser substituído por “pessoa com uma alimentação à base de plantas” – ou produto à base de plantas, claro. Porquê? Bom, aceito sugestões...

Já agora, aqui ficam alguns contributos meus:

- Assassino: terminador de vida sem permissão.

- Ladrão: pessoa que leva emprestado sem pedir.

- Traficante de drogas: negociante (soa bem mais chique) de fármacos alternativos.

Como disse, a lista dos termos “maus” é enorme em alguns países, nomeadamente nos EUA, a mãe – perdão, a pessoa que amamenta – destes disparates. E há termos que não podem, muito simplesmente, usar-se, apesar de não nos ser proposta qualquer alternativa. Por exemplo, ninja / guru – como é um termo masculino, pode desencorajar mulheres – ou tribo, no sentido de pessoas que pensam do mesmo modo – é ofensivo para índios americanos e para as vítimas do colonialismo.

Com tanta ênfase em tentar não ofender ninguém, como se isso fosse possível, suspeito que estaremos, muito em breve, no cenário descrito por Connie Willis no seu conto “Ado”, publicado em janeiro de 1988 na revista Isaac Asimov’s Science Fiction – que eu saiba, nunca foi traduzido, mas pode encontrá-la aqui, na página 78 (pequeno aviso, demora um bocadinho a carregar e não é navegável).

Basicamente, uma professora de liceu decide dar uma aula sobre Shakespeare e escolhe Hamlet por ser a peça que tinha menos objeções por parte de pais e grupos de todos os tipos. Juntamente com a reitora, analisam-na linha a linha, consultando a lista de cortes e protestos recebidos ao longo dos anos – o mais recente é da União de Agentes Funerários a exigir a remoção do coveiro.

No final, a aula acaba por ter apenas dois alunos, um deles grande adepto da teoria de ter sido Bacon a escrever as peças, e Hamlet fica reduzido a estas linhas:

HAMLET: O ar corta a pele, de tanto que está frio.

HORÁCIO: Gelado e penetrante.

HAMLET: Que horas?

HORÁCIO: Acho que é quase meia-noite.

Bom, isto se entretanto os Meteorologistas ou os Relojoeiros não se lembrarem de protestar...

Para a semana: Acabados os Jogos... Falemos um pouco do que se passou e do que aí vem, nomeadamente os Paraolímpicos.

02
Ago24

147 - Terrorismo e atitudes

Luísa

Como sabemos, houve – e suponho que continua a haver – inúmeras ameaças terroristas aos Jogos Olímpicos que decorrem atualmente em Paris. Não irei falar só deste assunto, mas será a nota de abertura deste post.

Como sempre, e muito bem, pouco ou nada soubemos dos muitos incidentes que terão ocorrido, mas dos que vieram a público quero realçar alguns.

O primeiro é o de um jovem que, nas palavras da polícia francesa, estaria a preparar um atentado. Curiosamente, disseram de imediato que “deveria ser neonazi” – francamente, não entendi a conexão... Mas no caso de um polícia atacado por alguém que berrou “Allah Akbar”, a mesma polícia disse, também de imediato, que se desconheciam as suas motivações!

Estranhei também o silêncio sobre possíveis suspeitos do ataque cibernético aos caminhos de ferro franceses e de outros que se seguiram. E porquê? Bom, pensemos um pouco. Quem é que foi excluído dos Jogos? De onde têm vindo muitos dos ataques recentes por hackers ao Ocidente, para além da China? Mas tudo bem, não há nenhum indício, nada, nadinha que nos possa fazer apontar o dedo a algum país. Pena não se poder culpar de imediato a extrema direita, neonazis e similares...

Ainda na aproximação aos Jogos, a Adidas acho ser ótima ideia reeditar os ténis que tinha concebido para os Jogos de Munique de 1972, com o pretexto de se terem passado 50 anos. É claro que é a única coisa que essa data evoca, o ataque terrorista que custou a vida a 11 atletas israelitas foi, pelos vistos, algo tão menor que até lhes passou despercebido. Mas não só. Quem é que escolheram para apresentar a coleção? Pois, Bella Hadid, uma modelo de ascendência palestiniana, grande adepta da campanha “Palestina livre”.

Bem sei que a campanha foi cancelada e que a Adidas pediu desculpas, mas, francamente, como é que um empresa desta dimensão não tem alguém que faça notar que tudo isto poderia ser um pesadelo de relações públicas?

Passemos à cerimónia em si. Confesso que gostei, embora dispensasse, de boa vontade, muitos detalhes woke que foram surgindo. Mas não podia deixar de mencionar a célebre Última Ceia com travestis que, segundo dizem, era afinal uma homenagem a Dionísio que só cristãos estúpidos e ignorantes da mitologia grega não entenderam.

É claro que quando pensamos em Jogos Olímpicos em particular e desporto em geral a primeira associação que nos vem à mente é Dionísio, o deus das bebedeiras e orgias! É essa a mensagem que querem passar? E se era apenas isso, porque é o adorno da cabeça da figura central era claramente uma mitra papal?

Francamente, aquilo que me incomodou mais nessa cena foi a sua total falta de valor artístico. E se era para dar realce a travestis, escolheram-nos muito mal, qualquer Carnaval amador tem melhor! Só espero que não lhes tenham pago, é que, à semelhança do novo símbolo de 50 000 euros para documentos oficiais introduzido pelo Governo anterior, crianças da pré-primária fariam melhor.

Já agora, grande momento final com a Céline Dion e uma chama muito inovadora – para quem não tem acompanhado, está no Jardim das Tulherias e não é fogo, é vapor de água e efeitos de luzes!

Passemos agora ao que tem acontecido com atletas de alguns países que se recusam a cumprimentar ou até a enfrentar atletas de Israel. Sou defensora da ideia de que cada um tem o direito de pensar e de agir como entende, mas, nuns Jogos Olímpicos, uma manifestação de união e tolerância, como nos fartámos de ouvir na cerimónia de abertura, não é estranho que o Comité Olímpico nada faça nestes casos? Nem uma multazinha, uma crítica? E se fossem os atletas israelitas a tomar essa atitude em relação aos iranianos, por exemplo, a reação seria a mesma?

Um último assunto dos Jogos, o beijo que a Ministra do Desporto de França pespegou no Macro durante a cerimónia de abertura – podem ver uma imagem aqui. Curiosamente, vi hoje que o pai de uma judoca foi preso porque, na emoção de a filha ganhar, ter beijado uma voluntária “sem o seu consentimento”. Podemos, então, deduzir que o dos governantes foi consentido? Ou será apenas, o que é bem mais provável, mais uma situação de dois pesos, duas medidas?

Quantos homens têm tido problemas, perdido até o emprego por bem menos! E lembro que um tribunal espanhol condenou um polícia a dois anos de prisão por ter dado um beijo na bochecha de uma mulher contra a vontade dela. Para sermos coerentes – pois, boa sorte com isso – a dita ministra devia ter sido corrida imediatamente. Mais ainda, com tantas precauções para não ofender a sensibilidade dos muçulmanos, que me dizem a este beijo entre duas pessoas casadas, mas não uma com a outra?

Para concluir, não podia deixar de referir o cobarde ataque a uma escola em Inglaterra em que perdeu a vida uma menina de ascendência portuguesa. Como sempre, nada dizem sobre o atacante, com o pretexto de que tem 17 anos – curioso, quando rapazes brancos atacam escolas nos EUA e não só, ninguém se coíbe de dizer logo tudo e mais alguma coisa sobre esses menores, a começar pelo nome e pela usual suspeita de que são neonazis ou algo similar.

É claro que a indignação vai toda para os protestos dos nacionalistas ingleses perante a notícia de que o assassino era alguém em busca de asilo. Pois, mas isso não se pode dizer, sem contar que daqui a nada ouviremos que, coitado, até nem queria fazer mal a ninguém, a culpa é de sofrer de distúrbios mentais...

Para a semana: Palavras, palavras... Como a estupidez chegou aos dicionários e não só

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