138 - Não é censura
A origem deste post está no burburinho que se gerou na Assembleia da República face às palavras de Ventura de que “os turcos não são conhecido como um povo muito trabalhador”. Muito francamente, não entendi tanta indignação, ele nem disse que não são trabalhadores, apenas que não são conhecidos como tal – o que até é verdade, se fizerem um inquérito de rua sobre povos conhecidos como sendo muito trabalhadores, alguém acha que os turcos entram na lista?
Mas tudo bem, os “vidrinhos” ficaram ofendidos por interposta pessoa e exigiram logo que o punissem por ter dito o que disse. Mas atenção, não é censura, nem pensar! É apenas o justo repúdio por afirmações xenófobas. Que saudades devem ter do Sr. SS – já agora, li ontem este artigo do Público, já de 2007, que mostra bem o que era esse senhor...
Curiosamente, as deputadas que mais protestaram nunca se inibem de dizer, por tudo e por nada, que “os portugueses são racistas” ou que “os portugueses são xenófobos”. Hum...
A censura encoberta é algo que me preocupa há bastante tempo, falei, até, nisso, em Novo dicionário precisa-se, Parte 1. Só que a situação tem piorado imenso e já ninguém está a salvo, vejam-se os ataques ferozes a Margaret Atwood, sim a autora de A história de uma serva, J.K. Rowling e outras autoras por terem dito coisas que “ofenderam” o pessoal do alfabeto.
Aquando dos 50 anos do 25 de abril fartámo-nos de ouvir falar da censura do Estado Novo, sempre seguido, claro, da afirmação de que agora vivemos em liberdade, pode-se falar à vontade. A sério?
Pelo menos nessa altura as regras eram claras e havia inúmeras maneiras de as contornar. Mas, agora, a questão não está em uma frase ser realmente ofensiva mas sim na maneira como alguém a pode interpretar – ou seja, a ofensa está na mente de quem ouve. E muito francamente, da maneira como as coisas estão, tudo, mas mesmo tudo pode ofender, pelos vistos até dizer boa noite... Mas, mais uma vez, atenção, isto só é verdade se for dito pelas pessoas “erradas”, claro.
Achei curioso ler que várias associações, entre elas a APEL, assinaram recentemente uma declaração sobre Liberdade de Expressão, de Publicação e de Leitura. Pois, que tal liderarem pelo exemplo e porem fim às tais comissões de revisão do conteúdo de livros?
É claro que há muita gente de esquerda, muitos DDV (Donos da Verdade) a bramarem contra as novas censuras. Só que... os exemplos que dão são sempre contra a chamada direita. Por exemplo, houve grande indignação por uma professora de uma escola nos EUA ter sido demitida por ter mostrado aos alunos uma imagem da estátua de David de Miguel Ângelo, que alguns pais cristãos consideraram ofensiva pela sua nudez – bom, se fossem muçulmanos, tudo bem, temos de respeitar os costumes.
Mas ninguém se indigna pelas centenas de professores de todos os níveis despedidos pelos motivos mais ridículos. Por exemplo, num liceu inglês um professor de matemática foi despedido e proibido de ensinar em todo o país porque, numa turma só de raparigas, na conclusão de um exercício difícil disse, “Muito bem, meninas.” Grande azar, uma delas sentia-se rapaz e ficou ofendida...
Se pedirem no Google livros banidos recentemente, surgem imensos títulos retirados de bibliotecas escolares dos EUA por ação de pais que acham que os seus conteúdos ferem as suas convicções religiosas em matéria de sexo ou porque, com o pretexto de serem antirracistas, atacam e insultam os brancos.
Mas ninguém fala dos muitos livros retirados de bibliotecas de todos os níveis, até as públicas e universitárias, por imposição dos bem pensantes. Soube, também, esta semana, que bibliotecas de Devon, Inglaterra, só disponibilizam versões “não ofensivas” de muitos livros – como os da Enid Blyton – e que, para se ter acesso à versão original, é preciso fazer um pedido específico e receber uma advertência de que o conteúdo pode ofender!
Mas ei, não é censura, são os DVD a zelarem pelos interesses do povinho que, segundo eles, não sabe o que é bom para si e tem, pois, de ser orientado para “o bem” por todas as formas possíveis.
Temos, também a questão de não se poder mencionar raças ou nacionalidades quando há crimes ou perturbações da ordem pública – exceto se os seus autores forem brancos e portugueses, claro. Acho que já todos percebemos o que significam frases como “um grupo de homens envolveu-se numa cena de pancadaria” ou “duas mulheres entraram em desacato e uma delas foi morta” ou o sempre popular “os assaltantes” sem mais detalhes. É que citar a sua etnia, o termo da moda, ou nacionalidade, pode incentivar ao ódio racial...
Mas há pior. Uma professora do 1.º ciclo da Escola Manuel Teixeira Gomes, em Chelas, Lisboa, está sob alçada disciplinar por ter referido a nacionalidade de uma aluna, oriunda da Ásia interior, num documento interno em que falava das dificuldades que a dita tinha para acompanhar as aulas – é que isso viola as diretivas do Ministério de promoção da paz social.
E a tão badalada notícia do célebre e inexistente “linchamento” de uma criança nepalesa que foi, segundo diz a autora da denúncia, acompanhado de insultos racistas e xenófobos, não viola essa tal paz? Já agora, porque é que a dita Ana Mansoa não foi já formalmente acusada de afirmações racistas e de incentivo à violência racial?
Já agora, aconselho a leitura deste artigo do Jornal i, deste outro da Gazeta do Interior e, finalmente, deste da Visão, que tem uma análise muito curiosa sobre fluxo de informação – bom, é claro que nas “fake news” tenta insinuar que são todas obra da direita... Notem que nenhuma das publicações que aqui cito são conhecidas como sendo de direita, muito pelo contrário em certos casos.
É também um tema que tem sido tratado frequentemente no Observador, mas desta vez decidi seguir outros rumos.
Para a semana: Os apoios da cultura Talvez seja altura de os rever...
