133 - O 25 de abril
Passou-se mais um 25 de abril, este com grande ênfase devido aos seus 50 anos, mas com os discursos e afirmações do costume. Diga-se de passagem, já há vários anos que só ouço e vejo as celebrações pela rama, para repetições prefiro um bom filme ou livro.
Basicamente, resume-se tudo a “o 25 de abril trouxe-nos a liberdade”. Só que não é bem verdade, quem a trouxe, de facto, foi o 25 de novembro de 1975, caso contrário estaríamos agora a viver numa “ditadura do povo” – sabem, um daqueles regimes muito respeitadores das liberdades e direitos das pessoas, como a Coreia do Norte ou a atual Rússia. Mas está convencionado que uma das datas é que é a “boa” e deve ser festejada em grande e que a outra deve ser totalmente ignorada, inclusive pela Assembleia da República. E, claro, quem a quiser celebrar, é, no mínimo, pouco respeitador dos heróis de abril.
Este ano, devido aos tais 50 anos, passámos semanas a ouvir várias personalidades – e não só – a dizerem: “Antes do 25 de abril não se podia...” em relação às coisas mais variadas, desde eleições livres à minissaia. Pois irei falar, precisamente, de algumas delas.
Antes do 25 de abril não havia eleições livres. Verdade, claro. E pode-se dizer que vivemos agora num regime democrático, apesar de todas os problemas do nosso sistema eleitoral e, acima de tudo, da enorme renitência em, no mínimo, afiná-lo para o aproximar mais da população. Mas esta liberdade democrática tem imensas “exceções”, digamos.
Por exemplo, fala-se muito na liberdade de escolha política, ao contrário do que acontecia antes. E no papel até é verdade. Mas sê-lo-á de facto? Basta recordar as cenas passadas com o Chega na última legislatura e as reações aos resultados da sua subida nestas eleições. Chegámos ao ponto de ouvir o Livre dizer, do alto dos seus 8 deputados e menos de 205 000 votos que os 50 do dito Chega e o seus quase 1 170 000 eleitores não contam e isto perante o silêncio ensurdecedor de políticos, jornalistas e comentadores. E lembro que aconteceu, anteriormente, o mesmo com o CDS.
Antes havia censura. Sim, havia mesmo, “a bem da Nação”, a frase então consagrada. E ouvimos dizer que o 25 de abril trouxe o seu fim. E até é verdade, se estivermos a falar de uma censura organizada a nível do Estado.
Mas o que vemos agora é que tudo quanto é órgão de comunicação social e, também, as editoras, têm comissões de sensibilidade (ou outro nome similar) para garantirem que não é publicado nada que possa ferir as suscetibilidades e fazem-no “a bem do povo”. Curiosamente, para estas comissões as ditas suscetibilidades não nascem iguais – sabem a que me refiro, já falei várias vezes deste assunto.
Dir-me-ão, mas agora ninguém vai preso por algo que disse ou escreveu! Pois não, mas esses zeladores do povo tudo fazem para impedir que esses “malvados” voltem a publicar ou de continuarem a sua carreira profissional. Já agora, eu gostaria de ver algum investigador intrépido publicar uma obra sobre a censura nos anos imediatamente após o 25 de abril, aposto que seria uma enorme surpresa para muitos.
E não posso deixar de referir as diversas tentativas para legislar contra as chamadas “fake news”, omitindo, sempre, o pequeno detalhe que são definidas como tal pelos tais “donos da verdade” e não pela inveracidade dos factos que relatam.
Os sindicatos eram controlados pelo governo. E eram. Só que passaram dessa tutela para uma outra, a dos partidos, nomeadamente PCP e PS. E não tenhamos ilusões, muitas das greves e ações que vimos ao longo dos anos nada (ou muito pouco) tinham a ver com os trabalhadores que diziam representar, eram, sim, feitas de acordo com interesses políticos desses ditos partidos.
A escola restringia o que se podia aprender. Sim, “a bem da moral e bons costumes”. Mas... há realmente liberdade educativa agora, em que metem todo o tipo de ideias woke na cabeça das crianças, sem olhar para a sua idade e à revelia dos pais? E os autores escolhidos para as aulas de Português são-no apenas com base na sua qualidade como escritores? E os textos usados nas outras matérias, são mesmo isentos?
Para terminar, quero deixar muito claro que sim, o Estado Novo era uma ditadura e que vivemos agora em democracia. E não concordo com quem suspira pelo que o 25 de abril devia ter sido, comparando-o com uma sua imagem totalmente utópica. Ou dos que remoem constantemente o que foi o antes, dando-lhe tons cada vez mais negros, provavelmente para enaltecer o seu papel, real ou imaginado, na mudança.
Para mim, o passado é o passado e o que nos devia preocupar é o futuro para que caminhamos. E o que vemos em Portugal e também no resto do Ocidente é, francamente, preocupante. Como os movimentos a que assistimos para impedir certas opiniões e troca livre de ideias – lembro as muitas universidades que não convidam ou desconvidam pessoas porque um grupinho de alunos decide que são “fascistas”, isto apesar de desconhecerem o que dizem ou escrevem.
Ou a pressão para acabar com partidos que desagradam aos bem-pensantes, apesar da sua popularidade – mas ei, ao contrário do que acontecia no Estado Novo, faz-se isso para proteger as pessoas demasiado estúpidas para entenderem o que eles realmente são.
É que pode-se lutar contra uma ditadura como a de Salazar, em que há alvos bem definidos. Mas é muitíssimo mais complicado, quase impossível, até, combater o avanço insidioso de medidas e atitudes que, se não fossem tomadas por gente de esquerda, seriam vistas como ditatoriais.
Ou seja, concordo totalmente com a ideia de “manter vivo o espírito de abril”, mas na sua plena aceção de recusa de todo o tipo de censura e de respeito pelas opções políticas – e não só – de todos.
Para a semana: Só alguns são trabalhadores Pelos menos para os sindicatos e para a nossa esquerda