124 - A esquerda afinal não é comunista!
Ando há uns tempos a analisar a esquerda que temos, sobretudo o que seria a extrema-esquerda se a comunicação social tivesse coragem para chamar os bois pelos nomes, e cheguei à conclusão de que, afinal, até nem são comunistas, nem sequer os partidos que afirmam ser marxistas – sim, há mais que um, os outros só aparecem em alturas de eleições legislativas.
Parece absurdo? Certamente. Mas acho que no final deste post até irão concordar comigo.
Ora vamos por partes. Os grandes chavões da esquerda são distribuição igualitária da riqueza, igualdade de direitos, dar o mesmo a todos, enfim, um sem número de igualdades, tudo isso em nome da tal sociedade perfeita que querem criar, apesar de até agora não ter resultado em lado nenhum. Resumindo, somos todos iguais e temos direito à mesma parcela dos bens e riquezas da nossa sociedade.
Só que há aqui um pequeno problema. O que o santo patrono da dita esquerda disse não foi bem isso... ou antes, não foi mesmo nada disso. E para quem não a conhece ou já não a recorda devidamente, aqui vai a célebre frase de Karl Marx, que tem dado origem a tantos equívocos: De cada qual, segundo a sua capacidade; a cada qual, segundo as suas necessidades.
Comecemos pela segunda parte. Fica bem claro que para Marx, temos todos necessidades diferentes e o igualitarismo cego defendido pela esquerda não acaba com desequilíbrios e injustiças, muito pelo contrário, agrava-as, até mesmo em relação às chamadas necessidades básicas que, também essas, mudam consoante a pessoa e o lugar e não permanecem estáticas ao longo do tempo.
Mas o que mais me incomoda nesta parte da equação é que nem sequer é aplicada como deve ser. Veja-se, por exemplo, um dos meus ódios de estimação, a “carreira” dos funcionários públicos. Analisada sob este prisma, significa, muito simplesmente, que as ditas necessidades aumentam do mesmo modo para todos, sendo o único critério para as avaliar o tempo de serviço. A sério?
Outro exemplo flagrante de dizerem uma coisa e fazerem outra é o SNS. Sim, toda a esquerda berra pela defesa do dito e a eliminação de hospitais privados, parcerias, etc., mas, curiosamente, nunca vemos nenhum dos sindicatos da Função Pública que, lembro, estão mais ou menos enfeudados a esses partidos, sugerir a eliminação da ADSE, passando todos os que lhe pertencem para o SNS como os cidadãos “vulgares”.
Mas, para mim, este até nem é o grande problema, é que segundo a mesma esquerda, ainda só estamos a tentar construir a tal utopia marxista. Não, sob o meu ponto de vista, a grande questão está na primeira parte da frase, “de cada qual segundo a sua capacidade”.
Já viram a esquerda exigir seja o que for de quem diz que representa? Sim, querem mais impostos, mais taxas e taxinhas, a eliminação do privado, etc., mas nada disso tem a ver com as “capacidades” citadas por Marx.
Vejam-se os contratos coletivos de trabalho. Como sabemos, abrangem todos os trabalhadores do respetivo setor, mesmo aqueles que de “trabalhadores” só têm o nome. Ou seja, faltosos, preguiçosos e quejandos são tratados do mesmo modo que os cumpridores e trabalhadores, independentemente de, muitas vezes, até terem mais capacidades. Por exemplo, em tempos idos assisti, por várias vezes, aos cálculos complicadíssimos que alguns desses ditos trabalhadores faziam para alargar o mais possível os dias úteis de férias a que tinham direito anualmente, tendo em conta os feriados e pontes.
E querem um melhor exemplo da aplicação deste conceito do que o chamado rendimento mínimo? Ou será que acham que todos o que ali estão são uns coitadinhos sem capacidade para nada e que, sendo assim, não podem dar nenhum contributo para a sociedade?
E a falta de aplicação deste conceito começa logo na escola, onde é proibido exigir para não stressar as criancinhas. Ou seja, em vez de lhes meter na cabeça que quanto mais qualidades têm mais têm de dar à sociedade, fazemos, isso sim, o nivelamento por baixo, nada pedindo a ninguém para não magoar quem não tem aptidões.
Não, a atitude da nossa esquerda tem mais a ver com o conto “Harrison Bergeron” de Kurt Vonnegut. Para quem não leu – e, francamente, recomendo-o vivamente – a história passa-se em 2081 (foi escrito em 1961) nos EUA e, por emendas à Constituição, todos são agora iguais. Foi estabelecido um padrão médio para tudo, inteligência, beleza, elegância, proezas físicas, tudinho, mesmo, e quem estiver acima desses valores é forçado a usar peias de vários tipos. Por exemplo, uma pessoa inteligente ouve apitos, explosões e outros sons similares a intervalos mais ou menos curtos para cortar o fluir das suas ideias. Uma pessoa bonita tem de usar próteses que a desfeiem. Um bom atleta ou dançarino carrega pesos e outros entraves para ser como toda a gente. Encontram o texto original aqui e uma versão brasileira aqui.
Pois bem, a sensação com que fico é que, apesar do muito que dizem, os nossos partidos da esquerda, até os marxistas, repito, viraram totalmente as costas a Marx e querem, isso sim, uma sociedade “igualitária” do modo como um rebanho de ovelhas o é – mesmo assim, há sempre alguma que foge à norma, mas ei, a solução é fácil, a “bem da nação”, como dizia o outro, retira-se a dita.
Já agora, como prova final de que ninguém se dá ao trabalho de entender o que Marx disse, temos um debate de setembro de 2016 na Assembleia da República em que o muito “estimado” Sr. Costa parafraseou esta frase de Marx ao definir o seu conceito de sociedade decente como “uma sociedade onde cada um contribui para o bem comum de acordo com as suas capacidades, e cada um recebe de acordo com as suas necessidades”. Está neste artigo do Observador que realça, e muito bem, um pequeno detalhe que, pelos vistos, escapou ao dito senhor: Marx disse a sua célebre frase numa crítica feroz ao socialismo!
Para a semana: Desrespeitaram-nos... e agora queixam-se? Acerca dos protestos dos polícias e não só
