Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Luísa Opina

Neste blogue comentarei temas genéricos da nossa sociedade. Haverá um novo texto todas as sextas-feiras

Neste blogue comentarei temas genéricos da nossa sociedade. Haverá um novo texto todas as sextas-feiras

Luísa Opina

29
Set23

103 - Democracia

Luísa

Concluídas as eleições na Madeira pareceu-me apropriado voltar a este tema, que já tratei anteriormente neste blogue, nomeadamente em Vivemos mesmo em democracia? e, indiretamente, em Novo dicionário precisa-se – Parte I e Novo dicionário precisa-se – Parte II. Infelizmente é um tema que nunca é demais tratar e pelas piores razões.

Comecemos, então, pelas eleições na Madeira. Não acompanhei a campanha eleitoral, aliás nunca o faço em detalhe, mesmo assim houve alguns detalhes caricatos como o candidato do PAN – ou do BE... – a dizer que tinham imenso apoio mas que as pessoas tinham medo de o dizer por receio de represálias! A sério? Num país em que a extrema esquerda é a dona da verdade e quem discordar de algo que diga é imediatamente apelidado de fascista, nazi, etc.?

Na noite das eleições acompanhei até certo ponto os resultados por várias razões. A primeira, a tremenda margem de erro das projeções – francamente, será que pagaram mesmo por esse brilharete? Segundo, para ver se o PSD/CDS tinha maioria absoluta, desejando, aqui para nós, que não a tivesse uma vez que queria ver o que faria nesse caso o Sr. Albuquerque – sabem, o tal que se demitiria se isso acontecesse. Terceiro, e mais importante para mim, para assistir aos malabarismos da nossa comunicação social caso os resultados não lhe agradassem.

Bom, quanto ao Sr. Albuquerque, enfim, devia ter adivinhado que um político daqueles não tem palavra. Pior ainda, chama-nos estúpidos ao afirmar que não foi isso que disse,  foi mal interpretado, só se demitia se não conseguisse formar governo ou, última versão, “foi só uma tática de campanha”! Resumindo, um bom democrata! Ainda por cima com uma tal ganância de manter o tacho que até se alia à deputada do PAN, uma “inteligentíssima e culta” criatura, como podem ver nesta entrevista. Mas tudo bem, o importante foi traçar uma linha vermelha em relação ao Chega.

Passemos aos nossos jornalistas. Já falei deles anteriormente em Jornalismo ou Jornalixo, mas é “bom” ver que nada mudou. Ou se mudou foi para pior. Senão, vejamos.

O PS perdeu 40 % dos votos e 8 deputados. Mas isto só foi referido muito de passagem, quase por obrigação, sem comentários.

Em compensação, adivinhem quem foi o grande perdedor? Pois, aposto que adivinharam, o Chega! Curiosamente, passou de 619 para 12 028 votos e de 0 para 4 deputados, mas ei, foi a quarta força mais votada e não a terceira e não ia fazer parte de uma solução de governo – por isso, grande perdedor. Pois, a mim ficou-me a dúvida, será que quereriam governar com o Sr. Albuquerque? E o JPP, o tal terceiro mais votado? Não perde pela mesma razão?

Infelizmente, tudo isto não passa de um sintoma de algo bem mais grave que se passa um pouco por todo o Ocidente. Ou seja, o resultado de uma eleição só é “válido” (não no sentido legal, bem entendido) se for ganha por um partido ou pessoa considerados desejáveis. Caso contrário, a democracia está ameaçada, vem aí a ditadura, enfim, os mimos do costume.

Veja-se o caso bem recente de Itália. Como um dos poucos analistas credíveis que ainda nos restam antecipou, nunca mais ouvimos falar do que ali se passa – exceto agora quando o mau do governo “extremista de direita” quer ver se os migrantes que se dizem menores o são realmente. Mas se nos dermos ao trabalho de ir procurar notícias, descobrimos que a Sra. Meloni até tem tomado medidas económicas sensatas e algumas que até são favoritas da nossa esquerda, como taxar lucros extraordinários da banca. Mas é de direita, por isso tudo o que faz é mau e tem de ser ignorado.

Temos também o aumento do desprezo total pelo povo e pelas suas opiniões, com ameaças mais ou menos veladas de que o seu voto só contará se for para um “partido bom”. Sim, ameaças, no fundo todas essas afirmações de “nunca nos ligaremos ao Chega” são isso mesmo, dizer a muitos portugueses que o que pensam não conta para nada, que a sua opinião livremente expressa nas urnas é para deitar fora se votarem “mal”.

Já agora, não seria interessante incluir nos boletins de voto das legislativas uma perguntinha sobre coligações? Um boletim separado com  PS e PSD e por baixo de cada um deles punha-se a lista dos outros partidos, com o respetivo quadradinho ao lado, para que os eleitores pudessem votar em quem gostariam de ver numa coligação governativa... confesso que morro de curiosidade para ver esses resultados, era capaz de haver grandes surpresas!

Enfim, temos um governo que não governa, ministros que nunca sabem de nada, inúmero pessoal ministerial envolvido em todo o tipo de negócios escuros, um presidente que só se cala quando devia falar, mas a ameaça à democracia está na chamada extrema direita? E não é curioso que esse termo abranja tudo o que não seja centro esquerda – ou considerado como tal – mas que nunca se ouça falar de extrema esquerda ou de esquerda radical?

Só um último ponto. Ouve-se muito dizer que uma das razões de a direita ser um perigo é que tenta tudo para ser poder, para depois governar em ditadura. A sério? Sem voltarmos à muito nossa geringonça, por acaso já repararam no que se está a passar em Espanha, com o Sánchez disposto a aliar-se a extremistas que nem sequer reconhecem a existência da Espanha só para ficar no poleiro? Mas tudo bem, é socialista, ou seja, é um bom “democrata”.

Para semana: O ativismo climático  Sim, o dos protestos, tinta atirada, etc.

22
Set23

102 - E começam as aulas

Luísa

Uma das (muitas) coisas que sempre me intrigaram em Portugal tem a ver com o início do ano letivo, mais especificamente, com a sempre repetida afirmação de que há alunos sem professores. O número de docentes em falta pode variar mas existe sempre.

E é claro que um valor pequeno com um governo dito de direita é gravíssimo, mas se quem manda for de esquerda, bom, é apenas um pequenino percalço que não vai afetar a qualidade do ensino – infelizmente, até são capazes de ter razão (ver o final deste post). É que fica-nos a ideia de que os nossos alunos são como a Itália que, segundo dizem, funciona melhor quando não tem governo... ou seja, aprendem mais sem professores oficiais!

Mas vamos por partes.

A menos que tenha havido uma hecatombe totalmente inesperada que só atingiu quem dá aulas em escolas públicas, o número de docentes disponível é, ou devia ser, conhecido no final do ano letivo anterior. Mesmo as reformas antecipadas não são instantâneas, por isso sabe-se à partida quem vai sair e quem vai estar disponível para entrar. Já agora, o número de alunos por escola também é sabido, uma vez que as matrículas têm de ser feitas com antecedência.

Mais ainda, andamos há anos a ouvir sindicatos e organizações diversas de professores a queixarem-se de que há dezenas de milhares de novos professores que não conseguem colocação, ano após ano. Pois, serei a única a estranhar esta contradição? Ou o problema estará, como quase sempre, na total desorganização de quem manda?

Acham que exagero? Descobri há uns tempos que se uma professora começa o ano letivo bem grávida, sabendo-se, pois, à partida que irá ter a criança ainda em período de aulas, a escola tem de esperar que entre em licença de maternidade para então pedir a sua substituição, o que demora, claro, algum tempinho!

Outra queixa mais do que usual e não apenas nesta época do ano tem a ver com o tamanho das turmas. Este artigo do Obervador já tem uns anos, mas, pelo que vi na PORDATA, a situação não mudou muito. E será que uma turma ter 25 ou 35 alunos altera assim tanto os resultados? Não, a fazer fé nos estudos de Eric Hanushek, um economista de renome especializado em serviço público, sobretudo na parte da educação, e que deu em 2015 uma conferência em Portugal patrocinada pela Gulbenkian.

Para ele, o fator mais importante está na qualidade e eficácia dos professores, que deve ser analisada face à progressão dos seus alunos. Ou seja, exames centralizados para os alunos no início e no fim de um ciclo educativo para se poder ver a sua evolução, positiva ou negativa. Sim, já sei, que horror, as criancinhas a serem sujeitas a testes a sério, que trauma!

É claro que isto só funcionaria se houvesse uma verdadeira descentralização do ensino, com os conselhos diretivos das escolas a poderem contratar o seu pessoal docente – e já chega de ouvir o choradinho da perseguição política, do “não gostam de mim porque sou... (acrescentar um dos muitos termos usuais), enfim, as desculpas usuais para isto não ser implementado. É claro que isso implicaria o despedimento de professores com mau desempenho continuado e a oferta de bónus aos excecionais, tudo devidamente justificado.

Já agora, acompanhar esta medida com uma revisão real do código de disciplina das escolas para que alunos (e os respetivos pais) indisciplinados possam ser punidos a sério em vez de se permitir, como agora, que perturbem quem tem a ilusão de que se está na escola para aprender.

Voltando ao tamanho das turmas, há um ponto que gostaria que me fosse devidamente esclarecido. O que é que prejudica mais um aluno, estar numa turma demasiado grande ou passar pela perda de tempo e transtornos de ir parar a uma escola muito distante do seu local de residência e muitas vezes sem transportes diretos? Porque não experimentam perguntar-lhes?

Isto sem falar na situação atual da pré-escola, que continua sem vagas para todas as crianças que dela precisam – mas tudo bem, ficam em casa ou os pais têm de pagar um balúrdio mensal para as pôr num estabelecimento privado, nada recebendo em troca do muito que pagam em impostos, pelos vistos é bem melhor do que ficarem numa turma acima da dimensão considerada desejável.

Temos também o tema recorrente dos professores deslocados para fora da sua área de residência, mesmo quando são jovens recém-formados e sem família constituída. A fazer fé nos sindicatos, as escolas deviam concentrar-se todas nas zonas de preferência dos docentes, os alunos, esses, têm bom remédio: a família muda-se ou têm deslocações de horas até à grande cidade mais próxima!

Talvez seja altura de lembrar aos senhores professores que funcionário público é – ou devia ser – alguém ao serviço do público e não o contrário, como parecem pensar. Mas há um ponto em que concordo, acabar com as colocações ano a ano. Ou seja, há uma escola numa vila do interior a precisar de professores? Pois bem, quem lá for colocado é “para sempre”. Acho inadmissível que quem não vive num local preferencial veja a educação dos seus filhos a ser considerada uma provação terrível, quase um castigo! Nesta época em que tanto se fala em igualdade, perdão, em equidade, será justo ver uma escola em Paio Pires como indesejável só porque está longe?

Um último ponto. Nos últimos anos temos assistido, para além dos queixumes acima expostos, a manifestações, greves e todo o tipo de perturbações por parte de sindicatos e organizações similares por causa das carreiras – de que falarei num outro post – e salários. É claro que o argumento é sempre o mesmo, a defesa da “qualidade do ensino”...

Bom, talvez fale só por mim, mas quando ouço um sindicato – ou uma Ordem, já agora – a falar em defesa da qualidade e em interesse público fico logo de pé atrás. A menos que se considere que o “público” em questão se restringe aos seus associados...

Enfim, quem tem filhos em idade escolar que se prepare, vão ter mais uma repetição do cenário usual.

E por falar em “qualidade do ensino”, li esta semana um artigo muito, mas mesmo muito interessante: Escola e facilitismo. Boas aulas!

Para semana: Democracia  A propósito da campanha eleitoral na Madeira e não só

15
Set23

101 - A cultura do cancelamento

Luísa

O tema desta semana é, de certo modo, a continuação do que disse no post O Woke. Haverá, futuramente, uma terceira fase deste tema, a “apropriação cultural”.

Basicamente, “cultura do cancelamento” significa retirar o apoio a uma pessoa, à sua carreira, popularidade ou fama por causa de algo que disse ou fez e que é considerado inaceitável. Bom, tal como a definição inicial de “woke”, até soa bastante bem... Só que o problema é exatamente o mesmo, ou seja, quem define o que é inaceitável. E, claro, são os mesmos vidrinhos (termo que uso muito e a que me referi em Partam-se os vidrinhos) do costume.

Concordo plenamente que se “cancelam” pessoas como Harvey Weinstein, apesar de me incomodar o facto de ser impossível muitos dos seus famosos apoiantes ignorarem o que se passava. Mas a maioria esmagadora dos casos seria hilariante se não fossem as suas tristes consequências.

Vamos a alguns exemplos.

No seguimento do célebre caso George Floyd foi cancelada a série Cops. Para quem não a viu, era um programa de não ficção, em que câmaras acompanhavam patrulhas policiais em várias cidades americanas. Pois bem, passou a ser considerada ofensiva para as suscetibilidades da comunidade negra.

O filme Legalmente Loira foi vítima de uma tentativa de cancelamento por duas razões. Primeiro, a ideia de que só homens homossexuais reconhecem estilistas. E segundo por a protagonista ter revelado publicamente que alguém era homossexual à revelia dessa pessoa.

E o filme Fantasia, de 1940,  esteve também sobre a mira dos vigilantes do que é aceitável. E porquê? Bom, na secção Sinfonia Pastoral, com mulheres centauro, há uma personagem meio burro, meio ser humano, de pele escura (o único), que age como se estivesse ao serviço das outras – pois, a cena foi retirada do filme nos anos 60.

E há uns dias descobri, por razões profissionais, que um episódio do Tom e Jerry (animações curtas de cerca de 7 minutos) tinha sido banido! Não consegui descobrir porquê, mas... francamente, Tom e Jerry?

Passando à literatura, os exemplos são imensos, de Roald Dahl a Agatha Christie, Enid Blyton e os livros do Dr. Seuss – são dos primeiros livros das criancinhas de língua inglesa. Sem falar em J K Rowling, a autora de Harry Potter, que tentaram cancelar por ter apoiado uma mulher que perdeu o emprego por ter dito que só há dois sexos – masculino e feminino.

Outro problema com esta cultura do cancelamento está, mais uma vez, em haver dois pesos e duas medidas. Por exemplo, não se inclui a música Fat Bottomed Girls numa nova compilação dos Queen porque a expressão é ofensiva para as mulheres. Mas as letras dos muitos rappers negros, essas, sim, profundamente ofensivas e que, muitas vezes, incentivam até à violência contra mulheres (e não só), bom, quem é contra devia ser cancelado por racismo...

E não pensem que as vítimas são só os famosos, muito longe disso. Por exemplo, em Inglaterra um professor foi despedido e impedido de dar aulas fosse onde fosse porque, numa turma só de raparigas, disse, “Bom trabalho, meninas” após a resolução de um problema difícil. E qual foi o problema? Pois, uma delas identifica-se como rapaz e ficou toda ofendida, daí “cancelarem” o ofensor!

São inúmeros os exemplos de vidas estragadas por esta “cultura”. E desenganem-se se pensem que acontece apenas por causa de algo que a pessoa realmente disse ou fez. Não! Também aqui o que interessa não são os factos mas sim a perceção que os tais bem-pensantes têm sobre eles. Ou seja, uma afirmação é racista, homofóbica, islamofóbica ou similares se alguém achar que o é. Mas atenção, alguém do “lado certo”. Um branco sujeito a insultos raciais nunca é vítima de racismo nem um cristão o pode ser, mesmo que o agressor declare abertamente que o fez devido à sua religião.

O mais curioso – ou talvez não – nisto tudo é que os maiores defensores de todos estes cancelamentos ficam profundamente ofendidos quando as coisas funcionam ao contrário.

Por exemplo, inúmeras empresas americanas foram ameaçadas por este movimento devido a produtos que vendiam (armas, por exemplo), logótipos considerados racistas, não proeminência dada a artigos para os LBG..., enfim, por não serem consideradas woke. Só que, depois de terem mudado tudo e mais alguma coisa para entrarem em conformidade com as exigências, aconteceu uma coisa interessante: sem ameaças, sem boicotes “oficiais”, as vendas caíram na vertical. É que muitos dos seus clientes sentiram-se ofendidos por toda esta chachada – para falar bem e depressa – e, sem estardalhaço, “cancelaram-nas”, ou seja, deixaram de comprar a essas empresas.

E é essa a única forma de combater esta cultura de cancelar o que desagrada ao que não passa, de facto, de uma minoria. Cancelam um livro ou alteram-no para que fique “aceitável”? Boicota-se! Ou, melhor ainda, procura-se a edição original – e sim, resulta, já há editoras que recuaram nesta nova censura e passaram a publicar duas edições, uma delas (a original) com o aviso de que pode ferir suscetibilidades. O mesmo para música e filmes. A Internet está cheia de canais de streaming que só passam filmes e séries vítimas de cancelamento nos canais “bem-pensantes”.

Se pensam que estou a exagerar, pensem na chamada Lei dos Serviços Digitais, também ela apresentada como sendo absolutamente necessária para combater a desinformação e conteúdos indesejáveis na Internet, ou seja, para proteger os “coitadinhos” dos seus utilizadores. Só que... quem define o que isso é, sobretudo a desinformação? Pois, quem está interessado em “vender” apenas um determinado ponto de vista, impedindo qualquer discussão ou desacordo, por muito bem abalizados que sejam.

Enfim, como se tem provado com o falhanço do cancelamento de alguns livros e autores e com o desastre económico que foi a adesão a essa “cultura” por parte de algumas empresas, o importante é não ficar de braços cruzados. É que se não o fizermos, bom, acreditem, acabaremos, mais cedo ou mais tarde, a viver num autêntico clima de terror.

Para semana: E começam as aulas  A propósito do início de mais um ano letivo

08
Set23

100 - A Guerra da Ucrânia

Luísa

Sei que já dura há uns tempinhos – desde 24 de fevereiro de 2022, ou seja, há mais de ano e meio – mas, face à continuação de certos factos decidi que estava na altura de falar desta guerra – perdão, desta “operação especial” da Rússia em território ucraniano.

Durante décadas ouvimos falar do tremendo poderio militar da URSS e do facto de ter o segundo exército mais numeroso do mundo, após o chinês. Este era sempre o grande argumento para todo o tipo de cedências, isto para não falar no sempre citado perigo de uma guerra nuclear.

Graças a isto, a dita pôde fazer tudo e mais alguma coisa na sua área de influência, leia-se, na chamada Europa de Leste. Desmantelada a URSS e face a uma aparente abertura da nova Rússia, vieram logos as “boas almas” exigir o fim da NATO, sobretudo quando, um a um, os países satélites se libertaram do jugo soviético. Curiosamente, a teoria do poderio russo mantinha-se, deixando-me a dúvida: se eram assim tão poderosos, porque é que se propunha a gradual desmilitarização do Ocidente?

Ainda mais estranhamente, os mesmos que defendiam não hostilizar a Rússia devido ao seu enorme exército pareciam ignorar relatos credíveis sobre a falta de qualidade militar dos soldados russos, a enorme taxa de deserções, mesmo em tempo de paz, e o tremendo número de oficiais que eram, pura e simplesmente, assassinados pelos seus comandados.

Saltemos agora para a dita “operação especial”. Não sei se repararam, mas o Ocidente, incluindo os EUA, demorou um tempinho a reagir. É que de acordo com todos – ou quase todos os especialistas – só havia um cenário possível: as tropas russas avançavam Ucrânia dentro a seu bel-prazer e sem terem de disparar um tiro, o Zelensky pedia asilo a um país amigo e a Rússia, após ter “libertado” as zonas que lhe interessavam, instalava no poder um lacaio como o que tem na Bielorrússia.

Acompanhei de perto esses primeiros dias e não vi nenhum desses peritos, civis ou militares, acharem que havia uma hipótese, mesmo remotíssima, de as coisas se passarem de outro modo. Mais ainda, perante os primeiros combates e sinais de resistência acérrima dos ucranianos, a opinião generalizada era que o Zelensky estava a sacrificar inutilmente vidas para adiar por uns dias o desfecho inevitável.

O problema é que, ano e meio depois, os mesmos peritos continuam a ter imensa dificuldade em aceitar que a pequena Ucrânia (bom, pequena, comparativamente falando, é claro) tenha ousado desmenti-los fazendo frente ao seu poderosíssimo vizinho e, pior ainda, com algum êxito.

Sim, bem sei que a partir de uma certa altura passou a receber armamento mais ou menos sofisticado e treino militar de vários países, só que, mais uma vez segundo esses “especialistas”, tudo aquilo não devia sequer ter durado esse tempinho.

Não digo que a Ucrânia vá ganhar a guerra no sentido clássico do termo, só que, na minha modesta opinião de não “especialista”, a Rússia já perdeu e em toda a linha. Ora vejamos:

- Ano e meio de resistência abalam, talvez fatalmente, a teoria do poderio militar russo. Mesmo as cidades que disseram ter conquistado nos primeiros meses não passavam de ruínas totais quando os ucranianos finalmente se retiraram do combate por elas. Pior ainda, muitas dessas conquistas foram feitas pelo grupo Wagner e, mal este se retirava, o exército russo que lhe ocupava o lugar ficava em sarilhos.

- Segundo Putin, a dita “operação especial” foi feita para impedir o alargamento da NATO  até às fronteiras russas. Parabéns, obteve, certamente, um grande êxito nesta área. A Finlândia, que sempre se tinha mantido à parte, está agora na NATO e a Suécia só ainda não está porque a Turquia anda com politiquices manhosas. Isto sem contar que é só uma questão de tempo até a própria Ucrânia entrar, sobretudo se o senil da Casa Branca der lugar a um presidente a sério.

- Há ainda a tremenda vergonha de uma grande potência militar – mais uma vez segundo os “especialistas” – ser forçada a comprar drones ao Irão. Drones! Compare-se com o que os EUA conseguiram após Pearl Harbour em termos de construção de tanques, aviões, navios e até porta-aviões... E eles não conseguem fabricar uns miseráveis drones?

- Pouco se fala disso, mas algumas das repúblicas sob domínio russo na Ásia começam a revoltar-se, o que obriga Moscovo a desviar tropas para lá; só que em muitas delas os homens são guerreiros por tradição e se as coisas são difíceis na Ucrânia, ali são bem piores.

- A economia russa vai de mal a pior. Ao contrário do que Putin esperava, o Ocidente não cedeu perante a alta do preço do petróleo nem, mais recentemente, face às suas exigências para renovar o chamado Acordo dos Cereais. E com as negociações em bom ritmo para usar uma rota alternativa via rios, bom, quando se lembrar de negociar a sério já poderá ser tarde.

- Temos também a cena vergonhosa da Rússia a tentar aliar-se à China e até à Coreia do Norte! Só que a China só tem um amigo no mundo, ela mesma, é o tipo de país que, como se diz em bom português, não dá ponto sem nó e é uma grande especialista em prometer sem prometer a sério e, sobretudo, sem cumprir. E a Coreia do Norte, francamente...

- Bom, e para quem tinha dúvidas sobre a “bondade” da Rússia e o seu respeito pelas pessoas, os muitos crimes que têm vindo a lume só deixam dúvidas aos mais “inocentes”. Mas infelizmente para a Rússia e felizmente para o mundo, o PCP é uma raridade...

Perante tudo isto, não é curioso que nas muitas análises diárias que os vários canais dão sobre a Guerra da Ucrânia nunca se fale de nada disto? Que tenham, até, tentado reanimar o fantasma de uma guerra nuclear? O Putin foi burro – ou muito mal informado, mas é o que dá rodear-se dos chamados “yes men” – mas não é suicida.

Mais ainda, quase todas as análises deixam subentendido que os avanços ucranianos não são os desejáveis nem nada de especial, que as coisas correm mal e que é inevitável a sua derrota, deixando no ar a pergunta, uma vez que é esse o único desfecho possível, porque não desistir já e poupar vidas e sofrimento?

Repito, não são favas contadas, mas a Rússia já não vai conseguir o que queria quando arrancou para esta cena, por muito que isso pese aos milhentos analistas e “peritos” que nos invadem diariamente os ecrãs. Lamento informar-vos, mas até agora não têm acertado uma!

Para semana: A cultura do cancelamento Sim, a grande arma do movimento woke.

01
Set23

99 - Esquizofrenia

Luísa

Há uma coisa, quer dizer, uma entre muitas, que sempre me intrigou em Portugal. Talvez me chame mais a atenção por ter vindo definitivamente para cá bem adulta, já lá vão uns bons 40 anos,  mas é francamente intrigante. Refiro-me ao facto de sermos avançadíssimos, pioneiros, até, em certas áreas e noutras, bom, até parece que não pertencemos ao chamado Ocidente.

Vamos a alguns exemplos.

Fomos o primeiro país a ter Internet dentro do Metro – na altura havia apenas um programa experimental em Seoul, promovido por um fabricante de telemóveis, mas que apenas abrangia 2 ou 3 paragens. Lembro-me, ainda, do espanto de estrangeiros quando viam os locais todos animados a falar ao telemóvel em plena viagem!

Mas... O Metro em si deixa imenso a desejar, com inúmeras interrupções técnicas – fora as inúmeras greves –  mais escadas rolantes muitas vezes paradas, elevadores avariados e pessoal que faz travagens bruscas, terríveis sobretudo a horas de mais movimento em que vai muita gente em pé. O mesmo se pode dizer dos transportes públicos em geral que, lembro, nem sequer existem em muitas povoações – mas ei, nas que existem pode-se usar o telemóvel!

Temos, depois, as criancinhas. Aqui, um bebé sai do hospital já com o cartão de cidadão tirado, ao contrário do que acontece em muitos países europeus em que os pais têm de tratar do seu registo por conta própria, poupando-lhes no mínimo uma deslocação. Ou seja, estamos avançados nessa área.

Mas... Uma mulher tem de dar à luz num hospital ou está por conta própria, uma vez que, ao contrário de muitos países Ocidentais, nomeadamente a França, não temos parteiras oficiais. Isto para não falar na dificuldade em aceder ao dito hospital – ou a outro qualquer – para ter o parto e os problemas enormes pós-nascimento em termos de Urgências Pediátricas, com consequências mais ou menos graves mas sempre indesejáveis tendo em vista o sossego dos pais e o bem-estar da criança.

Fomos também dos primeiros países em que se pode tratar de tudo e mais alguma coisa online – bom, na maior parte dos casos até só se pode tratar online, esquecendo-se, quem manda, da tal população envelhecida de que tanto falam e que tanto lastimam, mas pelos vistos sem a conhecerem e sem lhe prestarem um mínimo de atenção. Ou será que acham que todos, mas mesmos todos, dos 4 aos 104, sabem usar um computador ou um PC?

Mas... são raros os portais que foram dimensionados para o movimento que têm e a consequência é muito simples: em vez de passarmos umas horas numa fila à espera de sermos atendidos passamos essas, ou ainda mais horas, a tentar entrar no site para tratar de um assunto. Sim, há épocas do ano em que até é fácil, mas noutras, bom, todos precisam do mesmo e ao mesmo tempo, como na época da declaração de rendimentos, por exemplo – sim, sei que o prazo até é bom, mas pelos vistos esqueceram-se do passatempo nacional que é deixar tudo, mas mesmo tudo, para os últimos instantes.

Já agora, alguém é capaz de me explicar porque é que as matrículas escolares são feitas através do Portal das Finanças? E, com tanto cruzamento de dados que dizem haver, porque é que o registo eleitoral tem de ser feito pessoalmente, ao contrário de muitos sítios – França, mais uma vez – em que é automático?. E isto para nem falar em muitas outras burocracias desnecessárias, como a recentemente anulada validade de apenas 6 meses para uma certidão de óbito – estariam à espera que a situação do falecido mudasse?!

Continuando, temos a Via Verde, uma criação nacional muito útil e que já se estendeu a vários países mundo fora, com resultados às vezes um pouco bizarros. Por exemplo, em Bogotá, Colômbia, instalaram-na nas autoestradas de saída da cidade, mas a faixa respetiva tem um piso especial não liso que dá cabo da suspensão dos carros – resultado, camionistas e outros utentes regulares evitam-na o mais que podem, ou seja, tem o efeito oposto à intenção de quem teve essa ideia!

Mas... Temos também uma tremenda quantidade de estradas em péssimo estado, muitas delas até importantes ou que são a única ligação viável entre povoações. E a fazer fé no mapa de acidentes e a sua repetição em certos locais, a única conclusão a tirar é que há algo de muito errado no traçado de algumas delas.

Passemos à informática. Temos grandes pequenas empresas e programadores que “dão cartas” internacionalmente. Ou seja, estamos na vanguarda, há até quem seja pioneiro nessa área.

Mas... Curiosamente, quando se trata de informatizar coisas públicas, bom, as coisas não correm nada bem. Por exemplo, há uns anos a Biblioteca de Cascais andou a testar três programas diferentes para tratar, entre outras coisas, dos empréstimos aos leitores. Ao fim de bem mais de um ano foi finalmente escolhido um – não por quem lá trabalhava, já agora. Só que, pequeno detalhe, quem o usava tinha de ter um calendário à mão para ver se a data do fim do empréstimo não calhava num domingo ou feriado e, nesse casso, emendá-la “manualmente”. Por acaso eu andava na altura a fazer um curso básico de informática de 11 meses e já tinha aprendido a incluir num programa essa verificação e alteração...

Finalmente, o setor empresarial. Por um lado, empresas moderníssimas, nomeadamente no setor dos moldes, que exportam sem qualquer tipo de problemas, ou antes, que são escolhidas preferencialmente – pela NASA, por exemplo.

Mas... O país está também cheio de outras empresas, algumas até de grande dimensão, que parecem paradas em meados do século XX. Bom, parecem, não, estão-no, infelizmente. E a sua situação arrasta-se, ano após ano, porque qualquer modernização passaria pelo despedimento de muita da sua força laboral e isso “não pode ser”. Lembremo-nos, por exemplo, dos Estaleiros de Viana, que foram um sorvedouro de dinheiros públicos anos a fio só para “manter os postos de trabalho”.

É claro que ninguém pode ser pioneiro em tudo, mas que tal tentar alcançar um melhor equilíbrio? Só que, muito francamente, e a fazer fé no que acontece noutras áreas, para a nossa Esquerda isso significa, muito simplesmente, nivelar por baixo. E nesse caso, “a emenda seria pior que o soneto”, como se costuma dizer.

Para semana: A Guerra da Ucrânia Atitudes e opiniões dos nossos “especialistas” que me causam algum engulho...

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Calendário

Setembro 2023

D S T Q Q S S
12
3456789
10111213141516
17181920212223
24252627282930

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D