73 - A pedofilia na Igreja
Para evitar confusões, começo por dizer que considero a pedofilia e o abuso sexual de menores um crime horrendo e sem a menor atenuante.
Mas, tendo dito isto, sou frontalmente contra a existência de comissões que se dedicam, única e exclusivamente, a casos relacionados com a Igreja. Mais ainda, indigna-me o tipo de reações a que temos assistido perante os há muitos sabidos resultados.
E porquê? Vamos por partes.
De acordo com os especialistas no assunto, a maioria esmagadora dos casos de abuso sexual de menores dá-se no seio familiar. Se incluirmos amigos e conhecidos da família, professores, treinadores, etc. – ou seja elementos que fazem parte do dia-a-dia do menor – estamos a falar de pelo menos 90 % dos casos. Há ainda estranhos, ou seja, pessoas que não fazem parte desse ambiente, digamos, doméstico, e que o menor conheceu por casualidade ou não.
Perante estes números, porque é que só se fala dos padres e das vítimas destes? Será que quem o faz tem a noção de haver, POR MÊS, tantas ou mais vítimas do que as que a dita Comissão diz ter avalizado como reais e que cobrem décadas?
Mais ainda, ouvimos constantemente dizer que a culpa é do celibato dos padres. A sério? Então aqueles pais todos que passam anos a abusar de filhos e filhas, qual é a sua desculpa?
Ouvi até alguém dizer que nada pode ser pior do que uma criança ser vítima de um padre. Repito a pergunta, a sério? Que tal ser vítima de um pai, avô, tio ou outro familiar chegado, muitas vezes perante a indiferença ou, até, o silêncio cúmplice da mãe?
Vem depois o famoso “a Igreja sabia e nada fez”. É claro que quem o diz nunca explica exatamente o que é que se podia fazer. Expulsar o acusado, para que ficasse à solta na sociedade? Acusá-lo? Só que todo o enquadramento legal não o permitia.
E já agora, porque é que ninguém fala da família destas vítimas? Ninguém deu por nada? Não houve mudanças de comportamento, enfim, algo que levasse a indagar? E nos muitos casos de abusos na família, também aí são todos cegos, surdos e mudos?
Outro facto curioso, triste, mas curioso, tem a ver com a célebre lista de pedófilos condenados. Sabiam que só a polícia pode autorizar pais preocupados a acederem-lhe? Pois é, se calhar aquele vizinho simpático, sempre pronto para ajudar e que se dá tão bem com crianças, até faz parte dela... mas o único problema é a Igreja.
Só que a dita Comissão vai divulgar a lista dos padres alegadamente culpados e que ainda estejam no ativo. E uso o termo “alegadamente” no seu sentido legal, precisamente porque não foram condenados, tudo se baseia em depoimentos que os doutos membros dessa Comissão “acharam credíveis”. Fantástico, já pensaram no dinheiro que poderíamos poupar em juízes, advogados de defesa oficiosos, etc., se aplicássemos o mesmo critério a outros crimes?
Temos ainda o facto de que um pedófilo que cumpriu pena pode voltar alegremente para onde vivia ou, se acha que isso lhe restringe um pouco as atividades, mudar-se para onde ninguém o conhece e agir à vontade – ao contrário dos EUA, por exemplo, onde está proibido de viver em certas zonas e é obrigado a informar os vizinhos da sua condenação.
Já ouvi até apelar ao fim da Igreja. Isso significa que também vamos acabar com a família? Oh, mas como as instituições também têm culpados deste tipo, só há uma solução, as crianças passam a ser criadas por robots e em total isolamento físico – sim, é que há abusos por parte de outros menores.
O mais chocante disto tudo é que andamos tão preocupados a olhar para o passado que nem uma pequena olhadela deitamos ao presente. Refiro-me a um fenómeno que, infelizmente, já se começa a espalhar em Portugal e que é o chamado “grooming” via Internet.
Lembram-se da Luna, de 16 anos, desaparecida de casa e que foi encontrada a viver com o namorado de 40 e tais? Falou-se em rapto, só que, legalmente, não pega, ela foi para lá sem ser coagida fisicamente. É que o dito, que percebe do assunto ou tem quem perceba por ele, “conheceu-a” online aos 14 e esperou, pacientemente e fazendo-lhe o tal grooming, que chegasse aos 16 – é que a moldura jurídica é bem diferente a partir dessa idade.
E quantos dos menores deste país são aliciados para enviarem fotos a “amigos”, inicialmente inocentes e que vão descambando tão gradualmente que chegam à pornografia sem darem por ela? Quem tanto berra contra a Igreja tem a certeza de que os seus filhos ou netos não estão a ser vitimizados neste preciso momento?
Repito, sinto a maior repugnância pelos padres realmente culpados, só que, no meu caso, é exatamente a mesma que sinto por qualquer outro pedófilo ou abusador – sim, há uma diferença. O que não entendo é este sistema de dois pesos e duas medidas em que há quase um linchamento público de um bispo “que sabia e nada fez” e a reação nula perante um juiz que usou a lei de metadados para mandar em paz alguém que tinha milhares de fotos e vídeos de pornografia infantil no computador.
E como é que acham que as muitas vítimas atuais, as que sofrem agora, neste preciso momento, às mãos de laicos, sentem ao ouvirem falar em apoio psicológico e muito mais para vítimas de há 50 anos? Porque é que as vítimas de padres tiveram direito a uma Comissão que as escutasse e as outras não? É que nem sequer se pensa em criar um sistema em que um menor abusado possa falar, anonimamente, do que lhe está a acontecer e receber apoio e conselhos.
Francamente, o abuso sexual de menores é demasiado grave para andarmos a tratar de modo diferente o que devia ser igual. Um pedófilo é um pedófilo, mais nada!
Para semana: Vamos todos ter casa! Com as novas “medidas” anunciadas, passamos todos a ter casa... e baratinha.