55 - As regras são as mesmas para todos?
Nas últimas semanas temos assistido ao “espetáculo” maravilhoso de maridos de ministras, ministros e outros que tais envolvidos em negócios com o Estado ou com empresas estatais. Não está em causa aqui se os contratos que estabeleceram são ou não legais, francamente não sei o suficiente sobre leis para me pronunciar e também não acredito piamente no que as comissões que supostamente os fiscalizaram dizem nos seus pareceres, atendendo à composição política das ditas comissões.
Até pode ser que seja tudo legalíssimo e “nos conformes”, como diriam os brasileiros, mas a pergunta que me fica em mente é, será ético?
Passo a explicar.
Há uns anos houve um ministro penso que das Finanças que levou um jornalista a tribunal pelo que este tinha dito sobre isenções na compra de uma sua casa. Ora o “doutíssimo” juiz decidiu que sim, o que o jornalista dissera não era verdade, fora tudo feito dentro da legalidade mas, “como nem todos conhecem a lei” o facto de o dito ministro a ter usado carecia de ética! Sendo assim, não fora difamação.
Uma pequena nota, a dita isenção só se aplicava a casas de valor elevadíssimo mas, ouvindo o juiz, até parecia que era para quem vive do salário mínimo e, por milagre, consegue adquirir uma habitação e não para quem pode muito bem pagar a advogados e outros especialistas para minorar as despesas.
Escusado será dizer que o dito ministro não era de esquerda.
Temos também o caso de uma senhora casada com um primo de um ex-secretário de estado de um ex-primeiro-ministro PSD. Acontece que essa senhora tinha uma das maiores empresas de serviços telefónicos do país e participou num concurso público para atendimento permanente de chamadas feitas para o gabinete de um novo primeiro-ministro, também PSD. E como ganhou o dito concurso, ouviu das boas! Já se fosse o marido ou a mulher de um ministro PS em exercício de funções... aí, sim, haveria indignação, mas só contra quem ousasse criticar semelhante negócio!
Ou seja, um político de esquerda pode ser incoerente à vontade – veja-se o caso da senhora do PAN e das estufas – e não há o menor problema nisso, foi só uma “má interpretação”, a minha desculpa favorita, ou quem critica é obviamente fascista...
A culpa não é só dos políticos, a estes cabe, até a parte menor. É que como seres humanos que são, vão puxando a corda para ver se rebenta. Só que ela vai continuando a esticar, por isso lá se vão alegremente aventurando por águas mais turvas. É que no mundo atual, jornalista que se preze só “ataca” – e muito ao de leve – alguém de esquerda quando não tem mesmo outra alternativa. Até jornais que se dizem neutros, como o Observador, passe a publicidade, fazem o mesmo, em menor ou maior medida, consoante o alvo em questão.
Se os políticos de direita são julgados pela ética das suas ações e não pela sua legalidade, que tal fazer o mesmo aos de esquerda? Será ético o marido de uma ministra participar em concursos na área tutelada pela esposa? Será ético um ministro manter negócios na área que tutela?
E não é só nesta área. Imaginam as reações se um Presidente da Assembleia da República da “cor” PSD impedisse a eleição de um vice-presidente do PCP com o argumento de que é um partido ditatorial? Haveria marchas, protestos de todo o tipo, insultos e sabe-se lá que mais! Mas se envolve o PS e o Chega, então está tudo bem, o ato é justificadíssimo! E tem até o aval do nosso tão isento Presidente da República – sim, este é um dos muitos casos em que quem cala, consente!
Mais um caso. Lembram-se de quando o filho do Durão Barroso foi contratado, por convite, pelo Banco de Portugal? Grande indignação, claro, entre jornalistas e bem pensantes, ignorando o pequeno pormenor de que era uma função muito específica para a qual há muito poucos especialistas no mundo, sendo ele uma delas. E a indignação aumentou quando o dito Banco de Portugal se recusou a revelar o salário. Curiosamente, é o que faz com o resto do pessoal, mas, claro, para o filho de alguém de direita isso não se podia aplicar! Mas já a família desse senhor Carlos César pode ocupar cargos à vontade que não há nepotismo nem a menor ilegalidade. Ou muito menos falta de ética.
Toquei muito ao de leve neste tema, mas tenho a certeza de que se lembram de muitos outros casos em que esta variabilidade da aplicação das regras varia consoante se é de esquerda ou de direita. Basta lembrar a indignação de uma boa parte da nossa sociedade perante o atraso de Passos Coelho no pagamento de 5000 euros à Segurança Social e o modo como esses mesmos reagiram perante os 25 milhões emprestadados pelo amigo desse Sr. Sócrates. Já agora, foram pagos os impostos respeitantes a essa quantia? Ou o amigo não o fez por não ter esse montante consigo e o Sr. Sócrates também não porque o dinheiro não era dele? Ora aqui está algo que eu adoraria saber!
Pois é, para parafrasear um célebre slogan, “o que rende é ter a cor política certa!”
Para semana: Com papas e bolos... Quanto piores estão as coisas mais se “dá”... ou não?