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Luísa Opina

Neste blogue comentarei temas genéricos da nossa sociedade. Haverá um novo texto todas as sextas-feiras

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Luísa Opina

14
Out22

54 - O assédio sexual é sempre assédio?

Luísa

Neste post irei falar deste tema, atualmente muito na moda, sob três aspetos diferentes. E digo na moda porque têm vindo a lume alguns casos, alguns antiquíssimos, outros bem recentes, e há certos aspetos que me intrigam no que é dito e na maneira como as pessoas reagem.

Comecemos pelos casos recentes, de que destaco o do professor universitário e o do treinador de futebol feminino de um clube, ambos acusados de enviarem mensagens inconvenientes, digamos, às respetivas alunas – no sentido lato da palavra.

Não vou discutir se houve ou não assédio, a minha confusão vem totalmente da reação das assediadas. Se bem se lembram, houve uma aluna que desistiu do curso, uma atleta que desistiu de jogar, outras afirmavam viver num clima de medo e, acima de tudo, nenhuma reagiu na altura.

A pergunta que me fiz imediatamente foi, que tipo de mulheres estamos a criar? Com tanta educação sexual mais a tão “indispensável” Educação Cívica, perante uma situação destas encolhem-se e nada fazem?

Viajemos um pouco ao passado. Fui criada numa época em que nada se aprendia sobre sexualidade – diga-se de passagem que as nossas mães também pouco ou nada sabiam – e em que não havia Internet. O recurso a livros que nos informassem também era limitado. Mesmo assim, assisti a muitos casos de tentativas de assédio em que as assediadas prontamente reagiam e “entalavam” o assediador.

Mais ainda, o assunto era largamente discutido entre amigas e conhecidas, que ficavam assim a saber que o fulano agia de modo inapropriado. Ora a fazer fé no que lemos sobre estes dois casos, e não só, parece que essa cumplicidade feminina desapareceu. Como é que é possível que colegas de turma ou de equipa de nada soubessem ou, pior ainda, as que também eram assediadas guardavam o caso para si por vergonha?

E aqui está outra coisa que me incomoda, este silêncio por vergonha. Repito, como é que estamos a educar as raparigas? Isso de a culpa ser da mulher não devia ter ficado no passado? Ou a tão adorada frase de certos bem pensantes de que o corpo é da mulher e é ela quem decide só se aplica ao aborto?

Não devíamos estar a educar as raparigas – e não só, ver mais abaixo – para se imporem e rejeitarem veementemente e de imediato certos comportamentos para com elas?

E a teoria do “medo de represálias” também não me convence. Nesta época de redes sociais, em que se desfazem reputações com toda a ligeireza e com uma rapidez de fazer inveja a qualquer nave espacial, não haveria uma solução simples para pôr termo, de forma bem pública, a esse assédio? Pode-se até denunciar o autor das mensagens de modo a ser banido – ou a ter a conta suspensa – sem que este saiba quem fez a queixa.

Não, o problema não é o assédio, é o que as reações das assediadas mostram, ou seja, que não estamos a educar futuras mulheres – bom, as destes casos até já eram adultas – capazes de se imporem e de não aturar tretas, venham de quem vierem!

Um outro aspeto que me chama também a atenção quando se fala de assédio sexual é que só se referem casos em que um homem assedia e uma mulher, ou várias, é assediada. Será que acham que a situação oposta não existe? E não me refiro ao filme terrível com a Demi Moore que tratava, supostamente, desta situação.

Não pensem que estou a vilificar as mulheres, mas não haverá modos de vestir e comportamentos que, vistos sem “politiquices”, não passam de assédio aos colegas? E sim, todos sabemos a que me refiro, decotes que ao menor movimento mostram mais do que gostaríamos de ver, saias curtíssimas, toques por tudo e por nada – sem esquecer o “inofensivo” flirt para que um colega homem faça algo que a dita não quer fazer...

Mas não é tudo. Ora vejamos. Se sou mulher e um colega homem me faz um piropo, é assédio sexual. Mas... e se for uma colega lésbica? Não é a mesma coisa? Ou se sou homem e um colega homossexual está sempre a elogiar o meu aspeto ou roupas e a tocar-me “por acaso”, não é assédio?

Ou seja, para levar mesmo a sério esta questão, teria de haver as seguintes regras: homens heterossexuais só poderiam tocar ou elogiar outros homens heterossexuais (pois...) ou mulheres lésbicas. E estas ficavam restritas a homens e, talvez, mulheres “ferozmente” heterossexuais. E por aí fora... Ou seja, esse tipo de comportamento ficaria restrito a pessoas com quem nunca haveria uma hipótese de ligação sexual.

O mais triste nisto tudo é que passámos de uma sociedade em que o assédio de mulheres era um comportamento aceite para uma em que o menor elogio pode ser visto como um ataque.

Pessoalmente, acho triste que não se possa sequer dizer, “esse vestido fica-te lindamente” ou “hoje estás bem bonita” sem vir logo o assédio à baila. Até porque, muito francamente, reações destas por tudo e por nada acabam por levar à saturação e à sua banalização – sabem como é, o mesmo tem acontecido com o termo “fascista” que deixou de provocar qualquer reação. Se não gostamos de ouvir cumprimentos, a solução é simples: dizê-lo diretamente à pessoa e no momento, em vez de esperar anos para vir depois berrar assédio.

O que me leva ao ponto final, as acusações de assédio com décadas. Sem menosprezar os casos realmente graves – que, muitas vezes, foram bem mais do que assédio – o que temos visto muito frequentemente é uma aplicação a esta área do que se está a passar atualmente em muitas outras: ou seja, tentar julgar o passado à luz da moral e ideias atuais.

Não nos esqueçamos de que até há relativamente pouco tempo era considerado normalíssimo homens juntarem-se em grupo para assobiar ou mandar bocas a mulheres e raparigas que por ali passassem. E ao contrário do que nos tentam fazer crer agora, não eram necessariamente más pessoas, eram “os costumes” e, verdade seja dita, muitos só o faziam para não ficarem malvistos pelos outros, para não serem considerados “menos homens”.

Ao contrário do que muitos tentam fazer, acredito que cada época tem as suas regras e que deve ser vista e julgada de acordo com elas e não com as nossas. Se não acreditam, tentem imaginar o que a sociedade de daqui a 40 anos dirá de nós. E se acham que serão só elogios, bom, são capazes de vir a ter uma pequena desilusão...

Para semana: As regras são as mesmas para todos? Não é fascinante ver como ser de esquerda ou de direita afeta o cumprimento das regras?

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