Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Luísa Opina

Neste blogue comentarei temas genéricos da nossa sociedade. Haverá um novo texto todas as sextas-feiras

Neste blogue comentarei temas genéricos da nossa sociedade. Haverá um novo texto todas as sextas-feiras

Luísa Opina

27
Mai22

Novo Dicionário Precisa-se, Parte 3

Luísa

Hoje vou continuar a falar de algumas palavras e expressões que, ou têm agora um “novo” significado ou têm sempre, implícita ou explicitamente um “rider”, ou seja, um “cláusula adicional” que lhes altera o sentido – sabem, como naqueles contratos em que adoramos uma alínea e depois vemos em letras pequenas “apenas se...” ou algo desse género que a invalida ou, no mínimo, lhe deturpa o sentido.

E para quem não leu a primeira parte, uso neste post a sigla DDV, Donos da Verdade, os criadores ou utilizadores assíduos deste novo dicionário e com quem é de muitíssimo mau tom discordar – ao fim e ao cabo, a verdade é só uma e uma apenas e é a que eles decidem que é.

Comecemos, pois.

Justiça social

Procurando a sua definição, vemos que o conceito de justiça social parte do princípio de que todos os membros de uma sociedade têm direitos e deveres iguais em todos os aspetos da vida social. Ou seja todos os direitos básicos, como a saúde, educação, justiça, trabalho e manifestação cultural, devem ser garantidos a todos.

E eu não podia estar mais de acordo, sobretudo com a parte de termos todos direitos e deveres iguais. No fundo, é a célebre frase de Marx (sim, Marx!) que segundo parece o nosso PM citou recentemente na Assembleia da República: “De cada um, de acordo com as suas capacidades; a cada um, de acordo com as suas necessidades.”

Note-se que nesta frase Marx começa pelos deveres e só depois fala nos direitos. Estranho, não é? Bom, pelo menos para os DDV que pululam na nossa sociedade. É que para eles a frase resume-se a “a cada um, de acordo com as suas necessidades.” Pior ainda, nem é de acordo com as necessidades, é todos terem direito às mesmas coisas, quer sejam ou não necessidades, quer trabalhem ou não para elas.

E chegamos à maravilhosa aceção atual deste conceito em que é considerada justiça social que uma pessoa que trabalha, que estuda, que se esforça, seja obrigada a sustentar indefinidamente membros da sociedade que são totalmente capazes de fazerem pela vida, isto se quiserem, claro. E porque o hão de querer, se sem mexerem uma palha têm as tais necessidades básicas cobertas e com o bónus inestimável de se poderem considerar uns coitadinhos e vítimas da injustiça social, exigindo sempre mais e mais?

Termino com uma frase que tirei da página do Observatório sobre crises e alternativas (o sublinhado é meu):

“Numa sociedade onde haja justiça social, os direitos humanos encontram-se assegurados e as classes sociais mais desfavorecidas contam com oportunidades de desenvolvimento.”

Pois, oportunidades, não dádivas.

Ditadura

De acordo com o dicionário, uma ditadura é a “concentração dos poderes do Estado numa só pessoa, num partido único, num grupo ou numa classe que o exerce com autoridade absoluta.”

E a aceção moderna, o tal “rider” de que falo na introdução? Pois bem, falta acrescentar o seguinte: “desde que essa pessoa, partido, grupo ou classe não pertençam à esfera política correta.”

Não acreditam? Vamos a exemplos.

Os 40 anos de ditadura de Salazar, que continuam a ser citados como desculpa para tudo e mais alguma coisa. Mas Fidel Castro foi primeiro-ministro de Cuba de 1959 a 1976 e presidente de 1976 a 2008, ou seja, quase 50 anos. Governou em regime de partido único, os opositores, reais ou imaginários, eram presos e/ou feitos desaparecer, as eleições tinham uma característica fantástica, 100 % de votantes ( e todos nele ou nos seus candidatos, claro) – ou seja, nunca ninguém estava doente no dia da votação ou morrera perto da data, sem possibilidade de se alterarem os cadernos eleitorais. Mas ditador? Nem pensar! Era um bom democrata que governava para bem do povo e em nome deste.

Podíamos também falar da China e do seu partido único no poder desde que Mão conquistou o poder. Ou na Rússia, onde Putin e o seu primeiro-ministro andam há anos a trocar de cargos para contornarem a lei de limitação de mandatos. Ou no Chávez, tão adorado pelos nossos DDV, que pura e simplesmente alterou a Constituição da Venezuela para se manter indefinidamente no poder.

Mas não são ditadores, é claro. O termo fica reservado para o atual líder da Polónia, por exemplo, apesar de ter saído de uma eleição com múltiplos partidos. Ou para o Berlusconi... Enfim, entendem certamente o que quero dizer.

Fake News

E para terminar, lembram-se do projeto europeu imediatamente elogiado pelo no primeiro-ministro DDV de criação de um organismos para impedir a disseminação das chamadas “fake news”?

Para começar, a proposta é extremamente paternalista, os “paizinhos” DDV a protegerem os burros dos não DDV de tudo o que possa ser “falso”.

E porquê falso entre aspas? Vejamos, quem decide o que é uma fake news? Pois, adivinharam, uma comissão totalmente constituída por gente DDV!

Querem um exemplo? No início da pandemia Covid o Trump disse que a hidroxicloroquina era boa a tratar os sintomas do vírus. Como era o Trump, foi logo considerada fake news e denunciada, entre outros, pela OMS – bom, haveria todo um post sobre a atuação deste organismo na pandemia. Uns meses depois, pasme-se, a mesma OMS veio dizer que, afinal (!) até era eficaz. Ora como a dita custava uns cêntimos e a sua patente já tinha caducado e os dois medicamentos recomendados custavam um balúrdio, isso levou ao disparo do número dos chamados negacionistas.

Quem é que aqui foi culpado de fake news?

É que o problema é precisamente esse. Se alguém cai no desagrado do grupo de iluminados que controla o que se pode ou não dizer, tudo o que se possa inventar sobre essa pessoa é válido. E tudo o que a dita pessoa disser é, claro, fake news.

Curiosamente, ou talvez não, os que mais berram pela liberdade de expressão são os maiores entusiastas deste tipo de comissões. Vá-se lá saber porquê...

Para a semana: Bizarrias da política portuguesa – pequenas questões que me intrigam há bastante tempo.

20
Mai22

33 - O Woke

Luísa

Descobri recentemente que este termo não é muito conhecido em Portugal apesar de, infelizmente, as suas teorias já estarem a ser aplicadas pelos “iluminados” do costume. E com o nosso maravilhoso hábito de importarmos tudo o que os EUA têm de mau, uma coisa é certa, veremos cada vez mais exemplos desta fabulosa teoria.

A palavra em si significa “desperto” e o seu sentido inicial era “bem informado em questões políticas e sociais, sobretudo no referente a comunidades marginalizadas”. Dito assim, até soa bem e seria de aplaudir. Pois...

Infelizmente, a sua aplicação descambou quase de imediato, graças sobretudo aos “vidrinhos” a que me referi num post anterior. E de “consciente” passou a queixinhas, à falta de um termo melhor.

Passo a explicar. Para um verdadeiro woke – e acreditem, há toda uma guerra para provar que eu “sou mais woke do que tu” – tudo é discriminação, tudo é marginalização, enfim, tudo é injustiça social. Mas atenção, não funciona em todos os sentidos.

Por exemplo, um bairro só de negros, árabes ou mexicanos é perfeitamente aceitável, como ouvimos por aqui, “eles gostam de viver entre eles”. Mas se for um bairro só de brancos, é claro que é discriminação e dá logo origem a protestos e pressões de todo o tipo para que isso se altere. O mesmo em relação a empresas, clubes, associações, etc.

A mesma ideologia é estendida alegremente ao cinema e televisão. Um filme ou série que não queira ser denunciado como discriminatório tem de conter atores de várias origens raciais (de preferência com brancos em minoria) e diferentes opções sexuais e religiosas, independentemente da época em que se passa. Por exemplo, num filme recente sobre Maria, Rainha dos Escoceses (para os mais distraídos, do século XVI) havia nobres negros na sua corte. E houve uma tentativa de boicote ao filme Dunquerque porque as tropas que estavam a ser retiradas não incluíam negros nem mulheres...

Um outro exemplo flagrante foi a tentativa de alterar o monumento de Okinawa, o que mostra soldados americanos a erguerem a bandeira dos EUA. A razão? Os soldados do dito eram todos brancos! É claro que o facto de se basear nas pessoas que realmente o fizeram não é uma razão válida para não ser substituído por algo “woke”.

E as coisas não acabam aqui. Para quem tanto berra contra a discriminação das mulheres na sociedade é curioso ver as recentes pressões woke para anular a sua presença na língua e não só.

Por exemplo, as tentativas de proibição do uso da palavra “mãe” nos EUA e em Inglaterra, por ser discriminatória (!!!). Uma das propostas é passar a ser “pessoa capaz de amamentar”. Repare-se que é pessoa, não mulher. É que este termo também é discriminatório, segundo parece é insultuosa para quem não nasceu mulher mas se identifica como tal... Curiosamente, não há tentativas similares para acabar com “pai” ou com “homem”.

E os mais woke usam agora “womxn” (nem perguntem como se pronuncia) uma vez que “woman” termina em “man”, que significa homem...

E há melhor. Ouvi recentemente num programa de debates dos EUA uma pessoa (género indefinido) dizer que uma mulher biológica não sabe o que é ser mulher, só as transgénero o sabem verdadeiramente – e os woke aplaudiram!

Um último ponto sobre este tema mulher, em muitos estados americanos há enorme indignação por as transgénero não estarem especificamente incluídas nas leis do aborto e contraceção, isto apesar de não terem ovários... Pois, a biologia não é um ponto forte do pessoal woke.

E os pronomes? Pois, com a atual proliferação de sexos, usar o pronome errado pode dar expulsão de uma escola / universidade ou despedimento – não estou a brincar, até um miúdo num infantário teve problemas por não chamar ele a uma rapariga.

E não me refiro apenas a usar “ela” para alguém que “se identifica como um homem” ou o contrário. Não, agora não há só homens ou mulheres, há toda uma gama de “sabores” e uma gama ainda maior de pronomes. O primeiro a surgir foi o “them” (em inglês significa tanto eles como elas, é pois neutro) aplicado a uma pessoa singular. E há muitos mais, a tal ponto que uma pessoa woke quando conhece alguém diz o nome e o pronome que prefere. E ai de quem se engane, se tiver sorte é apenas insultado!

Se estão a pensar que tudo isto são americanices que nada têm a ver connosco, pensem bem. O movimento para apagar a nossa história já começou e o pretexto é sempre o mesmo, os “esclarecidos” querem julgar pessoas de séculos anteriores, bom, pessoas, não, brancos, de acordo com as ideias que eles professam agora e que são, obviamente, as únicas corretas e aceitáveis.

As quotas já começaram, por enquanto só para mulheres, mas quanto tempo levará a que se estendam a outros critérios? As célebres aulas de cidadania, que tantos problemas legais deram a uma família de alunos exemplares, que mais são do que uma pura endoutrinação woke? Já agora, simples curiosidade minha, os muitos miúdos muçulmanos no nosso país também são obrigados a frequentá-las e a ouvir falar de homossexualidade, transexualidade e tudo isso ou têm dispensa por “razões culturais / religiosas” ou recebem um currículo que não os ofenda?

É que a base do movimento woke é não ofender ninguém... bom, desde que não seja branco, heterossexual, homem e cristão...

 

Para a semana: Novo Dicionário Precisa-se, Parte 3 – mais uns termos cujo significado tem mudado

13
Mai22

32 - O aborto não beneficia as mulheres

Luísa

Ando há uns tempos para escrever sobre este assunto, mas com a atual histeria e mentiras sobre o que o Supremo Tribunal dos EUA estão a ponderar decidi que tinha chegado a altura. Histeria porque ao contrário do que circula por aí, o que está em causa é esse tribunal manter uma lei que, teoricamente, se estende a todos os estados, ou passar esse tipo de decisão para cada estado individualmente. E, já agora, muitos estados têm em calha ou em aprovação leis locais sobre esse tão polémico assunto, umas rígidas, outras absurdamente “liberais” (já lá vamos!).

Comecemos pelo tão badalado argumento de que o corpo é da mulher e é ela quem tem de decidir. E eu até estaria de acordo, se fosse realmente isso que está em causa. Mas é mesmo?

Voltando um pouco atrás, quando a célebre Roe vs. Wade surgiu – e outras leis sobre legalização do aborto mundo fora – a situação de uma mulher que não quisesse ter um filho era muito simples: abstinha-se de sexo ou arriscava. Lembro que a primeira pílula só surgiu em 1960 e com pouca divulgação. Mesmo anos depois, na altura da tal decisão do Supremo americano, a contraceção era pouco conhecida e cara. Por isso uma gravidez indesejada acabava numa criança também indesejada ou num aborto clandestino com todas as consequências nefastas que conhecemos, incluindo a morte.

O problema é que os que berram pelo sacrossanto aborto agem como se ainda vivêssemos nessa época, sem outras alternativas. Acontece que nos EUA e no Ocidente em geral, a contraceção é gratuita e apresenta-se sob muitas formas. E, já agora, a mulher pode escolher a opção que lhe parece melhor e, caso não se dê com ela, optar por outra.

Sim, bem sei que um dos argumento pró-aborto é que a contraceção falha e até é verdade, em cerca de 1 % dos casos! Isto, claro, se for feita de acordo com as indicações e não com mitos que correm por aí e que, incrivelmente, continuam a ser seguidos – refiro-me à interrupção da pílula por um mês, para “descansar”, pausa essa que só não resulta em mais gravidezes por pura sorte, é que pelos vistos ainda há muita gente que pensa que a pílula funciona a partir do primeiro dia que se toma!

Há, também a pílula do dia seguinte que, infelizmente, é muitas vezes usada como contracetivo e não como medida de emergência. E, já agora, quem tem uma vida sexual ativa e diversificada, digamos, com tanta doença sexualmente transmissível, que tal usar sempre o velho preservativo? Pois, o grande argumento que ouço das tais mulheres de “o corpo é meu, eu é que decido” é que não o usam porque os homens não gostam...

Ou seja, se a mulher quer ser realmente responsável pelo seu corpo, então deve responsabilizar-se por não ficar grávida a menos que o deseje, excluindo, claro, um acidente.

E a violação, perguntarão? Segundo as estatísticas, só 0, 01 % dos abortos decorrem de um crime desses. E até em Portugal, quando o aborto era proibido, havia duas exceções, violação e a saúde da mãe.

Passemos agora à reação que está a decorrer. Tentam passar a imagem de que quem quer alterar as leis do aborto é fanático religioso, nazi, enfim, os mimos do costume. Ora esta reação surgiu precisamente porque os pró-aborto esticaram demasiado a corda.

Em muito estados americanos, o aborto é legal até às 23-24 semanas (em Portugal são 10 e em Espanha 14). Acontece que com esses quase 6 meses, alguns abortos resultavam em crianças vivas. Nesses casos, a clínica ou hospital cuidava da criança que ia depois para adoção. Pois bem, os fanáticos decidiram que isso não podia acontecer e que se a dita mulher tinha pedido um aborto, então a dita criança tinha de morrer!

Será que alguém é capaz de me explicar o que é que isto tem a ver com “o corpo é meu”? O aborto já tinha sido feito e a abortada nada tinha a ver com o seu resultado – viva ou morta, a criança já não era da sua responsabilidade. Mas não, há que criar uma lei a exigir a morte das crianças sobreviventes.

A situação piorou em alguns estados americanos em que o prazo do aborto legal foi aumentado, crescendo assim as probabilidades de a criança abortada estar viva. E como as leis são analisadas em público, muitos souberam do assassínio, sim, é o termo correto, que teria de ser efetuado legalmente caso o bebé fosse resistente.

Já agora, se querem fanatismo, a Califórnia tem na calha uma lei a legalizar o aborto até ao nascimento – ou seja, se em qualquer altura do parto a mulher decidir que afinal quer abortar, a criança nasce, claro, mas terá de ser morta logo a seguir! E um legislador do estado de Nova Iorque vai ainda mais longe, quer que seja legal até 24 horas depois do nascimento... E admiram-se da reação anti-aborto que está a haver!

Curiosamente, muitos dos que aplaudem estas leis são ferozmente contra a pena de morte! Ou seja, matar alguém que matou é um crime, mas matar uma criança cujo único crime é não ser desejada, bom, isso é de aplaudir.

Já agora, o que acontece aos muitos fetos abortados? Teoricamente, alguns tecidos são dados para pesquisa médica, mas, e os outros? E, quanto mais tempo tiverem, mais úteis podem ser. Quando às crianças abortadas depois dos 6 meses, bom...

Como último comentário, o aborto está a ser usado em muitos países ocidentais para eugenia. Na Suécia, por exemplo, há anos que não nascem crianças com síndrome de Down. E já há muitas mulheres europeias e americanas a abortarem se o bebé não tiver o sexo que pretendem.

Não que me admire este uso, uma das fundadoras da Planned Parenthood criou esta organização como uma medida de eugenia, nomeadamente porque nasciam demasiadas crianças negras. É um facto, não um mito, a organização começou em 2021 a tentar distanciar-se dela, mas sem a condenar. Curiosamente, os mesmos que até o Lincoln atacam por algo que terá dito, nada têm a dizer neste caso e apesar de a maioria dos abortos nos EUA serem na população negra.

Coerências liberais!

Resumindo, se as mulheres pensam realmente que o corpo é delas e elas é que decidem se querem ou não um filho, parem de usar o aborto como método de contraceção e responsabilizem-se pela sua vida sexual. É que para os homens, o aborto é uma benesse, se não há criança então não há uma “chata” a querer que ele a sustente e cuide e tudo isso – ou seja, é mais um argumento a favor do célebre “elas que se cuidem” que ouvi a um rapaz dos seus vinte anos sobre não usar preservativo...

 

Para a semana: O woke – para quem não conhece, uma breve apresentação

06
Mai22

31 - E viva o grátis

Luísa

Começo por pedir desculpa por ter falhado a semana passada, mas houve um falecimento na família e foi-me impossível.

Passemos então ao tema da semana.

Já todos ouvimos a expressão “não há almoços grátis” e nos mais variados contextos. Curiosamente, os ditos almoços eram uma tradição do Velho Oeste americano, como refere Kipling em 1891. Os bares ofereciam comida gratuita e à descrição a quem comprasse pelo menos uma bebida. Kipling elogia a prática, que viu em S. Francisco, mas pelos vistos não a analisou bem. É que a comida tão generosamente “oferecida” era muito salgada, o que levava quem a comia a beber mais e mais... E isto sem contar que o preço da dita refeição já estava incluído no preço da tal primeira bebida.

A frase foi popularizada por Robert Heinlein em 1968 em “The Moon is a Harsh Mistress” e em 1971 fez parte do título de um livro de Edwin G. Nolan sobre política ambiental. E desde então tem sido aplicada a tudo, de economia a física e muito mais, sempre na tentativa de encontrar uma exceção – há quem diga que há duas, a luz do sol e o dióxido de carbono, ambas permitem o desenvolvimento de plantas (e não só) e através destas a criação do oxigénio da nossa atmosfera.

Vem esta longa introdução a propósito da notícia recente de transportes gratuitos em Lisboa para jovens e idosos, com o aplauso generalizado de quase todos e algumas críticas, porque deveriam ser para todos.

Ora é precisamente o “gratuito” que me mete confusão. Os motoristas, fiscais e mecânicos vão trabalhar de graça? Os veículos vão ser oferecidos? O combustível será uma generosa dádiva das gasolineiras? Pois, não me parece!

Ou seja, o transporte só é gratuito para quem o utiliza e na altura em que o faz. Mas os custos – e não são poucos – serão totalmente pagos por todos nós, quer os usemos ou não, o que é ainda pior. Como é que explicam a alguém que nem pode usar transportes públicos porque não os tem na sua zona que uma boa fatia dos seus impostos vai para os pagar aos que os têm e usam, mesmo que não tenham necessidades económicas? É que o problema de uma “dádiva” destas baseada apenas na idade é que beneficia de igual modo quem sobrevive com a pensão mínima e quem tem uma bem choruda.

Mas é “grátis”, aplaudamos!

O mesmo raciocínio se pode aplicar às portagens em que pessoas que vivem em terrinhas sem acessos de jeito pagam a manutenção de autoestradas e itinerários que nunca usam. Ou as taxas moderadoras, que tanta polémica deram, quem ouvisse certos partidos ficava com a ideia de que eram um balúrdio. Pois bem, eram pequeníssimas – sei, porque as pagava – e sempre eram um contributo para as despesas de saúde. Mas não, tem de ser tudo gratuito! Ou seja, tem de sair tudo dos impostos...

A paixão pelo grátis é universal e estende-se a todas as áreas. Quem resiste a uma boa pechincha, mesmo se, face a uma pequena análise, vier a provar-se não o ser? E não me refiro a promoções de supermercado, por exemplo, em que, face à concorrência cerrada, as grandes empresas abdicam de parte dos seus lucros para atraírem clientes que, esperam, comprem bem mais do que o que os atraiu inicialmente – também aqui não há “almoços grátis”, só que a conta não é paga pelo consumidor, pelo menos tão diretamente.

Não, refiro-me a campanhas em que, à pala do terá estes belos presentes (muitas vezes nada que nos faça falta) somos levados a gastar um dinheirão num artigo que, mesmo somando o valor das ditas dádivas, era capaz de ficar mais barato comprado de outro modo.

Mas não é só na economia que o “grátis” nos ofusca. Uma variante desta frase está na medicina, nomeadamente em medicamentos e tratamentos. É que, a avaliar pelas reações que se veem, as pessoas continuam a achar que há o artigo perfeito, ou seja, sem efeitos secundários de qualquer tipo. Seria bom...

A verdade é que tudo tem vantagens e desvantagens e quando um medicamento ou tratamento é aprovado isso significa apenas que os efeitos secundários são pouco frequentes e / ou que valem a pena tendo em conta o benefício que o produto traz. Há até casos, como a quimioterapia, em que esses efeitos secundários são fortíssimos, mas são o preço necessário para se tentar uma cura. Infelizmente, para os adeptos do “almoço grátis”, isso é escandaloso.

Resumindo, a próxima vez que ouvir um político ou um partido a propor algo gratuito, não se deixe enganar – vai custar-lhe e de que maneira (parto do princípio que é um cidadão pagador de impostos...). Pior ainda, se pagasse esse serviço, sabia exatamente quanto lhe tinha custado. Mas como passou a gratuito, bom, boa sorte em descobrir que fatia dos seus impostos está a ser usada para o pagar, mesmo que nunca o use, nunca o tenha usado nem tencione vir a usar.

Mas a avaliar por certos resultados eleitorais mundo fora, há uma enorme percentagem de votantes que, à revelia do que tem sido provado inúmeras vezes e em inúmeras áreas, ainda acreditam que há “almoços grátis”.

 

Para a semana: O aborto não beneficia as mulheres – pois, leiam e verão que até é verdade

Mais sobre mim

foto do autor

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Calendário

Maio 2022

D S T Q Q S S
1234567
891011121314
15161718192021
22232425262728
293031

Arquivo

  1. 2025
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2024
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2023
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2022
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2021
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D