22 - O mundo às avessas
Até muito recentemente a regra era premiar quem merecia, quem se esforçava, enfim, quem dava o seu melhor. E foi assim durante toda a história da humanidade, com mais ou menos ênfase consoante a época e o lugar. É claro que isto implicava uma segunda vertente, penalizar quem nada fazia ou, pior ainda, quem prejudicava a sociedade.
E isto começava logo na educação das crianças, por vezes com excessos condenáveis atualmente, claro, mas com regras bem claras – e os psicólogos dizem repetidamente que as crianças gostam disso, de regras, e que muitas vezes quando se portam mal estão precisamente a testar a sua existência e, acima de tudo, a sua consistência. Mas isto é assunto para outro dia.
Há uns anos, os “iluminados” do costume decidiram que premiar quem é bom nalguma coisa era discriminatório! E assistimos ao fabuloso espetáculo de provas desportivas em que “ganharam todos”! Estranhamente (ou não, atendendo à fonte) não ocorreu a ninguém que isso era penalizador para quem ganhava.
E é precisamente deste tipo de cegueira que pretendo falar hoje.
Há uns tempos descobri que o Creoula tinha “cruzeiros” (as aspas são porque quem os faz tem de trabalhar como parte da tripulação) e que alguns eram oferecidos aos chamados jovens problemáticos, ou seja, jovens que se tinham metido em sarilhos e cometido até o que só não tinham sido crimes por causa da sua idade. Segundo parece, a ideia era encorajá-los a portarem-se melhor...
A sério? Quem se porta mal leva uns dias num veleiro? E os muitos milhares de jovens dos mesmos bairros que estudam e nunca arranjam problemas o que é que levam? Pois, adivinharam, nada. E um nada literal, não é só o Creoula, não lhes prestam sequer a menor atenção, esta é só para os outros.
Sou totalmente a favor de apanhar jovens problemáticos cedo e tentar orientá-los para que possam ter uma vida útil, mas assim? Será que não ocorreu a ninguém que a mensagem que realmente passa é “portem-se mal e serão recompensados, portem-se bem e serão umas nulidades”?
Infelizmente, esta teoria estende-se a todos os aspetos da sociedade. Assisti (pouco, mas bastou!) à recente campanha eleitoral e o que mais sobressaiu para mim foi o modo como as pessoas que trabalham, pagam os seus impostos e educam os filhos sabe-se lá com que sacrifícios são ignoradas ou, pior ainda, insultadas.
Veja-se a habitação, por exemplo. Só vão a bairros sociais ou que foram ocupados depois do 25 de abril e mesmo nesses só falam com pessoas que vivem do chamado rendimento mínimo (ou seja, que não produzem). E os muitos que lá vivem e que trabalham? Não deviam ter prioridade no acesso a uma casa que pudessem pagar? É claro que ninguém pensa nisso, ou antes, para um certo partido, bom, o BE, isso seria fazer julgamentos morais salazaristas – não estou a exagerar, ouvi-os dizer isto a propósito de uns traficantes de droga que viviam num bairro social do Porto e que a Câmara queria expulsar.
E o mesmo se aplica a muitas outras áreas.
O ensino, por exemplo. Ouvimos continuamente dizer, “há indisciplina porque os alunos vêm de bairros problemáticos”, dito em tom de desculpa para nada se fazer. Bom, primeiro, se vêm de bairros desses, precisam ainda mais de regras e de disciplina, isso se queremos que venham a ser bons cidadãos no futuro. E, segundo, isso não é injusto para os que vêm dos mesmos bairros e que não podem estudar como gostariam por causa dos outros? É claro que não, são os “bons”, logo não interessam.
Continuando no ensino, houve em tempos a ideia de separar as turmas de acordo com o rendimento escolar, ou seja, bons alunos eram postos juntos e os maus e repetentes (isso ainda existe?) ficariam também juntos. Foi logo uma tremenda polémica! Coitadinhos dos maus alunos, que já agora, na maioria das vezes não o são por dificuldades de aprendizagem mas sim por não quererem estudar. Iam sentir-se marginalizados!
E os bons alunos, impedidos no sistema atual de terem a melhor educação possível? Não estão a ser também eles marginalizados, pior ainda, altamente prejudicados? Só que nesses ninguém pensa.
E passamos agora aos impostos e não, não irei falar da fuga aos ditos por parte dos muito ricos, manter-me-ei por baixo. Se um cidadão que vive do seu trabalho deve umas dezenas de euros ao fisco, surgem logo as cartas de ameaça de penhoras e quejandos.
Mas, e os traficantes de drogas e outros? É que passo a vida a ouvir falar em rusgas em que se encontram milhares de euros (muitas vezes, repito, de gente do rendimento mínimo e em bairros ditos sociais). Sim, eu sei, esse dinheiro é confiscado (bom, presumo que seja). Mas não é uma situação clara de fuga ao fisco? Porque não calculam um rendimento presumível com base no que encontram? E já agora, houve uma altura em que acompanhava essas coisas e chocou-me ver que rusgas repetidas no mesmo endereço davam sempre mais dinheiro do que eu ganho num ano e às vezes essas rusgas tinham uma semana de intervalo!
Enfim, haveria muito mais para dizer, mas penso que vos dei o suficiente para começarem a reparar nas muitas situações diárias em que “mau é bom e bom é mau”!
Para a semana: Os “ambientalistas” – sim, com aspas...
