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Luísa Opina

Neste blogue comentarei temas genéricos da nossa sociedade. Haverá um novo texto todas as sextas-feiras

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Luísa Opina

31
Dez21

14 - Intenções de Ano Novo

Luísa

Sim, é aquela altura do ano em que nos enchemos de bons propósitos e fazemos listas, escritas ou não, de tudo o que tencionamos fazer no ano a estrear que se aproxima a passos galopantes.

E nada nos parece impossível, desta vez é que é, vai ser “o nosso” ano, toca a acrescentar mais umas coisitas!

Mas quando entra finalmente o novo ano, bom, com sorte, cumprimos algumas coisinhas durante uns dias. Outras vezes, nem isso, deixamos passar o dia 1 porque estamos cansados da noitada da Passagem do Ano e “amanhã vou muito a tempo de começar”, chega o amanhã e não apetece muito, fica para o dia seguinte... enfim, sabem certamente como as coisas se processam.

Há várias razões para isto acontecer sistematicamente e neste post irei falar de três delas. E para evitar que este ano as boas intenções fiquem de novo só no papel, darei também umas propostas que vos poderão ajudar a cumpri-las.

Uma das razões do não cumprimento, e a primeira de que falarei, é optarmos por intenções extremamente vagas. Por exemplo, quero perder peso, ler mais, passar mais tempo com a família, poupar dinheiro para comprar uma coisa boa... São tudo ideias válidas e úteis, mas difíceis de cumprir porque, na prática, nada significam, não passam de “boas intenções”.

O que sugiro é que quantifiquem e especifiquem cada um desses vossos propósitos. Por exemplo, em vez de “quero perder peso”, dizer “quero perder 5 quilos”. Ou, “Vou ler um livro por mês”, “Porei de parte 20 euros todos os meses para no fim do ano comprar...” Ou seja, especificar claramente o que queremos fazer, ter objetivos bem definidos.

O que me leva ao segundo ponto, à segunda razão do não cumprimento, o irrealismo do que nos propomos fazer quando escrevemos a famigerada lista, cheiinhos de entusiasmo.

Voltando a três dos exemplos que dei acima, se dissermos “Quero perder 25 quilos”, “Vou ler um livro por dia” ou “Porei de lado 250 euros todos os meses”, só muito dificilmente conseguiremos cumprir esses objetivos — bom, o do dinheiro até poderá ser viável para muita gente... Se queremos levar a nossa lista a sério, se a quisermos realmente cumprir, a nossa melhor hipótese é pôr-lhe objetivos modestos e, muito francamente, o mais viáveis possível para a nossa situação atual.

A grande vantagem é que, assim, a probabilidade de cumprirmos é elevadíssima. E, se virmos que é até demasiado fácil concretizar essas intenções, podemos sempre ir elevando a fasquia ao longo do ano. Por exemplo, perdidos os 5 quilos, nada nos impede de estabelecer nova meta, com a vantagem acrescida de nos sentirmos muito virtuosos por termos “riscado” algo da nossa lista.

E isto leva-me à terceira razão do incumprimento, uma lista demasiado extensa. É que na altura de a fazermos, tudo parece pouco e fácil, há sempre mais uma coisinha a acrescentar. Mas quando se trata de cumprir, pois, só a sua extensão faz-nos desesperar e acabamos por não fazer nadinha.

Uma opção que considero útil é esquecer a lista anual, digamos, e fazer antes uma lista pequenina para o primeiro mês do ano, tendo em conta os pontos já aqui referidos. E caso os assuntos se prestem a isso, podemos até dividi-la semana a semana. No final do primeiro mês, acrescenta-se algo à lista (pode até ser mais de uma coisa) e no mês seguinte, novo acrescento.

E sem dar-mos por ela acabamos por chegar ao fim do ano com uma lista bem compridinha e, milagre dos milagres, cumprida! É, ao fim e ao cabo, a velha tática do “grão a grão...”

E há uma vantagem adicional nesta abordagem. É que às vezes pensamos em fazer algo que achamos que nos vai agradar ou ser bom para nós mas que afinal não é bem o que esperávamos. Por exemplo, começar a fazer ioga. Ou aprender espanhol. Com esta lista a curto prazo, digamos, podemos sempre substituir estes “erros” por outras coisas sem sentirmos que estamos a estragar os nossos planos para o ano.

Aproveito para dizer que não sou grande fã de uma vida totalmente planeada (felizmente, a minha é um caos nem sempre organizado...) mas caso o sejam, não se esqueçam de deixar um espacinho na vossa lista para o inesperado. Sim, falo a sério, porem como um dos itens estarem atentos ao que possa aparecer de novo no vosso mundo e que possam querer experimentar.

E como quando um ano começa isso significa que um outro acabou, que tal fazerem uma pequena revisão do ano anterior? Não em termos de “Se eu...” ou de lastimar o que não se pode remediar, mas dando ênfase às coisas boas ou diferentes que aconteceram — e há-as sempre.

E para ajudar com essa revisão de final do ano,  aqui vai um pequeno exercício: escreverem todos os dias, ou antes, todas as noites, uma frase sobre algo que aconteceu nesse dia. Pode ser mais, se quiserem, pode até ser uma verdadeira entrada de diário, mas umas meras palavras chegam, pelo menos para começarem (mais uma aplicação do começar devagar).

E não é preciso ser algo filosófico ou literário, pode ser uma coisa tão simples como “Hoje fui ao supermercado e vi a (nome) que já não via há muito tempo”. Ou “Gostei muito do episódio de hoje da série...). Ou “Hoje, não sei porquê, lembrei-me da minha primeira ida à praia em miúda”.

A ideia não é fazer uma obra literária, é sim adquirir o hábito de analisar o dia que passou e evitar um pouco aquela sensação de “Já estamos no fim do ano? Passou a correr...”

E pronto, um bom ano para todos e que daqui a 12 meses tenham finalmente cumprido as vossas intenções!

Para a semana: A (des)igualdade de género – um tema muito na moda...

24
Dez21

13 - E é Natal

Luísa

Primeiro uma pequena nota, quando indiquei a semana passada que iria falar a seguir de “A (des)igualdade de género” tinha-me esquecido de que estávamos a chegar ao Natal e Ano Novo. Esse tema fica pois adiado.

E passemos ao assunto da semana que é agora o Natal.

Quer sejamos ou não muito religiosos, o Natal é uma época especial com toda uma carga afetiva e familiar. Boas ou más, quem não tem recordações dos Natais da sua infância? Para uma boa parte de nós, não é uma festa religiosa, é, isso sim, uma altura de celebrar laços familiares, de pensar em amigos e parentes de que, muito francamente, nos esquecemos o resto do ano, enfim, para nos maravilharmos com decorações, presentes e todo o aparato que cada vez mais rodeia estas festas.

Sim, concordo que o Natal se tem tornado “muito comercial”, mas o que eu acho curioso é que mudar isso depende apenas de nós, começando, por exemplo, a educar as novas gerações para outros costumes, mais simples e pessoais. Mas eu sempre suspeitei que, bem no íntimo, a ideia dos presentes “no sapatinho” nos encanta e que muitos dos suspiros e queixas são, como se dizia antigamente, “para inglês ver”.

Mas o mais importante desta época é, ou devia ser, a família. Não é por acaso que em países comunistas em que houve a tentativa de acabar com o Dia de Natal este recebeu durante uns tempos o nome de Dia da Família.

Esta reunião familiar nem sempre é muito desejada e é, até, frequentemente stressante, mas, mais uma vez, depende em grande medida de nós fazermos dela algo melhor. Em vez de a vermos como algo “que tem de ser”, não seria bem melhor encará-la como uma oportunidade? Sobretudo quando envolve gerações mais velhas pode muito bem ser uma rara ocasião para sabermos mais sobre os nossos antecedentes familiares, costumes antigos e tudo isso.

Além disso, face ao atual ataque sistematizado ao Natal, por poder ofender quem não é cristão, dizem-nos, muitos estão a reagir tentando fazer reviver tradições que caíram no esquecimento, algumas delas bem antigas. E é sempre bom não deixar cair o passado, é que tradições e costumes não são só dos outros, nós também os temos e em abundância.

E se temem esta época por terem de lidar com parentes de que não gostam particularmente, em vez de passarem dias ou até semanas a lastimarem essa inevitabilidade, estragando assim todo esse período, enfrentem a situação de alma alegre, mantendo bem presente a ideia de que é só por um dia.

Bom, e não se pode falar de Natal sem referir a muito repetida frase, “é pena não ser Natal todo o ano.” Porque não? O que nos impede de concretizar essa ideia?

Não me refiro, claro, a uma festa de arromba todos os dias, presentes e todo esse aparato, até porque não é esse, ou não devia ser, o espírito do Natal. Mas podíamos muito bem manter vivas durante todo o ano algumas das coisas que fazemos nesta época.

Os tais familiares e amigos a quem só telefonamos nesta data para desejar Boas Festas? Pois bem, que tal criarmos uma lista com esses nomes e todas as semanas telefonarmos a um ou mais, só para saber como vão? Chegados ao fim da lista, é só recomeçar. E, quem sabe, até pode ser que com um contacto mais frequente acabemos por descobrir afinidades que nem sabíamos que existiam.

Os donativos e tudo o que damos nesta época, em parte porque sentimos uma pontinha de culpa por gastarmos tanto em presentes? Que tal espalharmos isso durante o ano? Muitas instituições e organizações até agradeceriam, são forçadas a gerir muito bem o que recolhem agora para que dure durante “a época magra” que é, infelizmente, uma boa parte do ano.

E o nosso contributo não tem de ser só em dinheiro ou outros bens. É que apesar de lastimarmos o atual materialismo em que vivemos, quando se trata de ajudar a única ideia que vem à mente é auxílio monetário. Mas nem sempre o que as pessoas realmente precisam pode ser comprado.

Por exemplo, fazem ideia de quantas pessoas no vosso prédio, quarteirão ou bairro vivem sozinhas? E que são na sua maioria idosas e a precisarem de ajuda, mas não necessariamente financeira. Não seria boa ideia tentarem conhecer algumas delas e ver se precisam de apoio com idas às compras ou coisas desse género? Ou dar-lhes, até, muito simplesmente, uns momentos de conversa que lhes cortem a solidão.

E há ainda os lares de idosos. Que tal contactarem um deles para saberem quantos residentes nunca recebem visitas ou até telefonemas? Aposto que são muitos. Não seria bom combinar com a direção desse lar visitas periódicas a um desses idosos? Não agora, claro, com as restrições por causa da pandemia, mas estas não durarão para sempre (esperemos!), e a vida voltará ao normal. Isto seria, de certo modo, “adotar” um idoso. E acreditem, para essa pessoa, passaria a ser Natal o ano todo.

E os presentes? Há tanto que pode ser feito nessa área! Coisas pequenas, mas que mostram a quem as recebe que estamos a pensar nelas. Pode ser tão simples como reforçar as doses de um bolo ou de uma refeição favoritos de um familiar, amigo ou vizinho para lhes podermos dar uma parte. Passar as revistas que compramos a alguém que sabemos que gosta de as ler mas não as adquire por falta de dinheiro ou por não poder gastar dinheiro em frivolidades. Pode ser, até, emprestar um livro que achamos que essa pessoa vai adorar ler.

Em todos estes casos de “Natal todo o ano”, e em muitos outros de que certamente se lembrarão, não é preciso gastar rios de dinheiro nem montes de tempo, basta um pequeno esforço pensado à medida do destinatário. E, acreditem, o resultado é muitas vezes melhor acolhido e bem mais útil do que o muito que fazemos, muitas vezes por um mero sentimento de obrigação, durante a época natalícia oficial.

Dito isto, Feliz Natal para todos!

Para a semana: Intenções de Ano Novo – sim, fazemo-las todos, mas darei umas dicas para que seja possível cumpri-las.

17
Dez21

12 - Mentir dizendo só a verdade

Luísa

Quando era miúda lembro-me de ter lido um artigo ou livro com este título e que muito me fez pensar. Infelizmente não recordo exatamente o que era e uma pesquisa na internet mostra apenas exemplos recentes.

Sei que pode parecer um contrassenso, mas infelizmente é bem real e  políticos e jornalistas são os seus grandes especialistas. Ainda por cima, há vários modos de o fazer e é preciso estar-se realmente muito atento para não se cair na esparrela.

O meu modo favorito consiste em listar uma série de factos totalmente verdadeiros mas que levam inevitavelmente à conclusão errada.

O meu exemplo favorito é o monóxido de di-hidrogénio (DHMO) ou ácido hidroxílico. O alerta para os seus perigos surgiu nos anos 80 e ganhou força em 94 com a criação da Coligação para banir DHMO. Seguem-se algumas das muitas provas apresentadas para a sua perigosidade: principal componente da chuva ácida, no estado sólido causa queimaduras graves, provoca erosão nos solos, foi encontrado em todas as biópsias de tumores cancerígenos, é um dos gases do efeito de estufa, todos os assassinos o ingeriram antes dos seus crimes, causa dependência e a abstenção leva inevitavelmente à morte, a sua inalação também pode causar a morte...

Escusado será dizer que a tal Coligação foi muito popular mas, infelizmente, sem resultados práticos: o DHMO ainda é totalmente legal! E se querem saber porquê, terão de ler este post até ao fim.

Um outro modo de mentir dizendo a verdade consiste em desviar subtilmente o assunto de modo e debitar uma rajada de dados, todos eles bem verdadeiros, mas que nada têm a ver com a pergunta feita e que têm como objetivo principal deixar a impressão oposta à realidade.

Por exemplo, perguntam a um político a sua reação a uma taxa de desemprego que subiu imenso e o dito entra numa descrição animadíssima de futuros programas de formação profissional que estão a ser estudados para serem implementados a curto prazo e que irão melhorar em muito as condições de empregabilidade dos cidadãos. Ou refere taxas de desemprego baixas de anos anteriores e que atribui à ação do seu partido / governo, deixando em quem o ouve a impressão de que afinal está tudo bem.

O político mentiu? Não! E pode até dizer com toda a sinceridade que não é responsável pelo facto de as pessoas terem ficado com a impressão errada sobre o que ele disse (também verdade).

Ou uma sua versão também muito popular em que, por exemplo, em resposta a uma pergunta sobre um crime cometido por alguém, se diz “É um grande especialista em cerâmica neolítica.”

Infelizmente, esta tática não é para todos, exige um certo talento natural. Mas não desesperem, há outra bem mais simples, especialmente para quem é da área jornalística, e que consiste em usar um título pomposo que refere um detalhe da notícia em questão mas que, usado só por si, é totalmente enganador.

Como exemplo, houve a célebre notícia do New York Times de que o Trump pagara apenas 300 e tal dólares em impostos por uma das suas empresas. Pois bem, lendo o artigo todo e tendo ultrapassado dúzias de parágrafos chatérrimos chegava-se finalmente ao facto de que a empresa em questão usara o dinheiro que tinha acumulado nas Finanças e que os tais 300 dólares eram apenas o que faltava num pagamento de vários milhões — é que nos EUA, uma vez pago o imposto anual, não há só os dois resultados existentes em Portugal, pagar caso falte dinheiro ou receber o que se pagou em excesso, lá há uma terceira hipótese que é deixar nas Finanças o excesso a devolver para vir a ser usado num pagamento futuro.

O jornal mentiu? Não, o pagamento nesse ano foi realmente de 300 e tal. Mas enganou muita gente ao enterrar a explicação no último parágrafo de um artigo de fazer sono ao pior sofredor de insónias. E tenho a certeza de que se pensarem um bocadinho recordarão inúmeros casos em que um título, apesar de correto, dava uma ideia totalmente errada dos factos.

Vamos agora à quarta maneira e que consiste em apresentar números de um modo deem um ar favorável ou desfavorável aos acontecimentos. É uma tática muito popular quando se fala em aumento de preços e pode ser usada, repito, de dois modos. Talvez um exemplo seja mais esclarecedor.

Suponhamos que o preço atual de um passe X de transportes públicos é 40 euros e que ia sofrer um aumento. Se o governo responsável por esse agravamento não é da simpatia do jornalista, este dirá, “Que horror! Os passes X vão ser aumentados em 7 %!” Mas se for da sua estima, então é, “Passes X aumentam só 2,8 euros.” Pois, é exatamente a mesma coisa e o jornalista não mentiu, mas sabia perfeitamente que a maioria das pessoas reage de modo diferente aos dois números sem repararem que estão em unidades diferentes.

Há muitos outros modos de conseguir mentir sem dizer uma única mentira, como usar eufemismos com o único objetivo de minimizar a gravidade de uma situação (ou de a maximizar, se for essa a intenção).

Ou o uso de boatos, mas de um modo que deixa quem os conta totalmente livre de responsabilidades pelo seu conteúdo, tipo “Consta que... A ser verdade, é muito grave.” Pois, que culpa tem o inocentinho que o disse se quem o ouviu não se deu ao trabalho de confirmar os factos?

E o DMHO, o tal produto altamente nocivo que devia ser banido? Pois bem, é a comezinha água! Mas se voltarem atrás e relerem o que eu escrevi verão que não há uma única mentira na lista que indiquei ou na mais completa de que tirei esta parte.

Para a semana: A (des)igualdade de género – um tema muito na moda

10
Dez21

11 - Mitos perigosos, parte 1

Luísa

Hoje vou começar a falar de uma série de “mitos”, à falta de um termo melhor, alguns muito portugueses, outros infelizmente internacionais, e que causam todo o tipo de problemas e crises. Não que tenha ilusões de que falar neles fará com que desapareçam, mas não me posso coibir de lançar o alerta. Como o tema dá “pano para mangas”, citarei apenas dois este post, um geral, o outro bem nosso.

Mito 1: quem luta contra um ditador é democrata

Este é um dos mitos internacionais mais espalhados atualmente e que tem tido consequências verdadeiramente desastrosas, vejam-se os casos da “Primavera Árabe”, Líbia e Síria.

Vamos por partes. Seria realmente de pensar que quem arrisca a vida e a liberdade na luta contra uma ditadura fá-lo porque quer substituí-la por uma democracia. Faz sentido, não faz? Infelizmente, os factos provam que o único problema que essas pessoas têm com a dita ditadura é não ser a deles.

Uns exemplos?

Fala-se muito na oposição ao governo da Arábia Saudita e de como este é mau para as mulheres. E é. Infelizmente, se lermos o que esses opositores diziam há uns anos (agora moderaram o discurso para deitar poeira nos olhos do Ocidente, falam, como no Afeganistão atual, em respeitar as mulheres à luz do Islão), a sua oposição advém de acharem que o dito governo não é suficientemente religioso, como compete a quem governa o país onde se situa Meca. E já agora, que é demasiado tolerante com as mulheres...

Na Síria, e falo por experiência própria, a gloriosa oposição ao Assad veio de Homs, uma cidade radical islâmica onde quem não cumpria as rígidas regras religiosas, sobretudo as mulheres, era insultado e só não lhe acontecia pior porque a polícia do mau do ditador não deixava. Ora sob o presidente Assad, o mau contra quem lutam, havia liberdade religiosa, cristãos viviam lado a lado com muçulmanos e ninguém podia atacar ninguém, nem por atos nem por palavras. Era também vulgar ver, como eu vi várias vezes quando lá fui de férias, uma mulher totalmente tapada lado a lado com outra de minissaia (e tão míni que quase não existia) e um top reduzido. E nenhuma dizia nada à outra, sob pena de serem presas.

Mas o Ocidente deixou-se enrolar com o discurso da “luta contra a ditadura” e ignorou totalmente os crimes cometidos por esses supostos defensores da democracia, crimes realmente atrozes, sobretudo contra cristãos, mulheres e homossexuais.

Tivemos também a “Irmandade Islâmica” no Egito, com resultados terríveis para uma população mais ou menos laicizada. Na Líbia, o entusiasmo por derrubar Kadafi, fechou os olhos às verdadeiras razões da luta contra ele e que eram, resumidamente, a guerra pelo controlo do petróleo existente em áreas pertencentes a tribos “mistas” (como o Kadafi o era) e que as populações árabes das regiões mais costeiras queriam para si.

O problema é que mal se ouve “lutar contra a ditadura”, o bom senso sai porta fora e ninguém, e por ninguém refiro-me a políticos e sobretudo a jornalistas, se dá ao trabalho de verificar o que é esse movimento de resistência e em que é que acredita.

Mito 2: os sindicatos protegem os trabalhadores

Bom, a teoria é essa e não tenho a menor dúvida de que realmente o faziam, em tempos idos, foram até durante muito tempo a sua única proteção contra todo o tipo de abusos. E presto-lhes a devida homenagem ao muito que fizeram em termos de condições laborais, redução dos absurdos horários de trabalho e muitas outras melhorias.

O problema está no que acontece atualmente com os chamados contratos coletivos de trabalho. E, atenção, neste mito refiro-me única e exclusivamente à realidade portuguesa.

Imaginemos uma empresa com um desses contratos e em que trabalham, lado a lado, o José e o António. O José chega a horas, nunca sai mais cedo, não falta e cumpre as suas funções o melhor que pode. O António, por outro lado, chega muitas vezes atrasado, sai outras tantas mais cedo, falta por tudo e por nada, está sempre a sair para ir tomar um café ou fumar um cigarro e, mesmo quando está presente, pouco ou nada faz, sobrecarregando os colegas com a parte que lhe competia e que não executa. Exemplos extremos? Talvez...

Ora para o sindicato presente nessa empresa, são ambos trabalhadores de pleno direito e tudo o que for negociado em benefício de um, o cumpridor, abrange também o outro, o não cumpridor. Mas tudo bem, a teoria é que contratos individuais de trabalho levam automaticamente à exploração de quem trabalha.

E porque é que este mito é perigoso? Pois bem, por muito boa pessoa que o José seja, mais cedo ou mais tarde vai fartar-se de ser cumpridor quando nada ganha com isso. E a empresa acaba por ficar cheia de Antónios, com consequências fáceis de prever para a sua produtividade e para a criação de riqueza para o país.

É claro que na base deste mito está a tal nova interpretação do termo “trabalhador” que referi em Novo Dicionário Precisa-se, Parte 1, ou seja não é uma pessoa que trabalha mas sim alguém que tem um emprego abrangido por um contrato coletivo de trabalho e sob a alçada de um sindicato.

E acabamos numa situação muito bem retratada no livro “Viver sem trabalhar num país à beira-mar” de Luís Campos. É de 1983 mas pelo que sei, foi reeditado. Li-o há muitos anos e nunca me esqueci do texto com o mesmo título em que, depois de analisar os vários setores dispensados de trabalhar por esta ou aquela razão, o autor chegava à conclusão de que, “em Portugal só trabalhava ele e um outro, por isso o outro que ficasse com tudo, ele estava farto” (estou a parafrasear).

Não nos acautelemos, e será esse o nosso futuro. Mas tudo bem, teremos todos contratos coletivos negociados por sindicatos!

Para a semana: Mentir dizendo só a verdade – pois, parece um contrassenso, mas não o é

03
Dez21

10 - O pecado esquecido

Luísa

Para os que, mal leram o título, imaginaram um texto muito religioso, e por religioso querem dizer cristão, claro, confesso abertamente e desde já que a sua origem é de facto religiosa, mais especificamente, católica. Mas sempre me intrigou não se lhe dar ênfase, dentro e fora do mundo da religião, uma vez que para mim é um conceito básico de uma vida realmente ética.

Todos já ouvimos falar dos pecados mortais (ou capitais, consoante a fonte), sim, os do filme Se7en. Alguns saberão também da existência dos pecados veniais que, como o nome indica, são muito menos graves, um exemplo seria dizer mal de alguém pelas costas – sim, é pecado!

Mas nos meus tempos de Catequese nunca me ensinaram que havia um terceiro tipo de pecado, o pecado por omissão e que é, na expressão do Padre António Vieira, “um pecado que se faz não fazendo”.

Confusos? Continuem a ler e já entenderão.

O que os pecados mortais e veniais têm em comum é estar implícito neles que fizemos algo mau, algo que prejudicou alguém ou a nós próprios. No pecado por omissão, pelo contrário, não fizemos rigorosamente nada. E, elemento muito importante, essa nossa inércia até nem causou mal a ninguém (ou a nós). Mas se tivéssemos agido, teríamos feito bem a alguém (ou, mais uma vez, a nós).

Vamos lá a uns exemplos da sua expressão mais simples.

Sabem aquela amiga que anda triste ou preocupada e que um telefonema nosso poderia animar um pouco, mas não nos apetece fazê-lo? Pois bem, não lhe ligar é um pecado por omissão, podíamos ter feito um pouco de bem e não o fizemos, apesar de o nosso silêncio não ter feito mal.

Vemos alguém na rua com um ar perdido e até nem custaria muito perguntar se precisa de ajuda? Pois, não vale a pena, outros certamente ajudarão. Uma pessoa de idade está atrapalhada com inúmeros sacos e tem dificuldade em subir ou descer umas escadas? Bom, não nos compete cuidar dela, pois não?

Todos nós passamos diariamente por situações destas na rua, em casa, com desconhecidos, vizinhos ou familiares. E o facto de não termos feito algo por essas pessoas não as prejudicou, se nós não existíssemos ou não estivéssemos simplesmente presentes, a sua situação seria exatamente a mesma. Por isso não “pecámos” no sentido estrito do termo.

Destes exemplos há de imediato uma conclusão a tirar: podemos ser pessoas excelentes, das que nunca fazem nada que não devam fazer, um exemplo para quem nos conhece, uns verdadeiros “santos”, e apesar disso cairmos constantemente neste pecado.

Se passarmos a um nível mais geral da sociedade, então as situações multiplicam-se.

É o trabalhador que nunca falta e que até cumpre bem as suas funções, mas que não vai aquele bocadinho mais além e dá o melhor de si em tudo o que executa. São os pais que cuidam dos seus filhos e lhes dão o que podem em termos materiais, sobretudo, mas que, por exemplo, não os ensinam a pensar por si porque é “para isso que existe a escola”. São as horas que se desperdiçam em distrações ocas, meramente para passar o tempo, quando as podíamos usar para melhorar os nossos conhecimentos ou colaborar em obras de ajuda a quem dela precisa.

Levando este conceito um pouco mais longe, para a área da política, por exemplo, é não ir votar “porque não vale a pena” em vez de nos esforçarmos por entender o que está em jogo e, até, de participar a sério quanto mais não seja a nível local. É ver problemas locais ou nacionais e não pensar em como se pode ajudar a resolvê-los, ficando passivamente à espera que alguém, o célebre Sr. Alguém, tenha uma ideia e organize tudo o que tem de ser feito.

É, até, não nos informarmos devidamente e nos limitarmos a repetir acefalamente o que ouvimos dizer, em vez de melhorarmos a nossa compreensão dos problemas que afligem a nossa sociedade e, melhor ainda, ajudarmos outros a compreendê-los.

Como veem, este pecado pode ter começado como um conceito cristão, mas penso que podemos todos concordar que a sociedade seria certamente um lugar melhor se nos ensinassem desde muito novos a não o cometer. Seria certamente um bom tema para as célebres aulas de Cidadania de que tanto se tem falado ultimamente.

Mas um grande problema deste conceito é que, ao contrário dos pecados capitais e veniais, que estão bem definidos, este é muito vago, é, basicamente, “ver o bem que se podia fazer e ficar parado”. Daí eu achar que quanto mais cedo formos educados para esta ideia, mais atentos estaremos às situações desse tipo que surjam ao longo da nossa vida.

Já dizia o Padre António Vieira, “a omissão é o pecado que com mais facilidade se comete e que com mais facilidade se desconhece”. E acrescentou ainda, “e o que facilmente se comete e dificultosamente se conhece, raramente se emenda”.

Se vos fizer sentirem-se melhores, não pensem nisto em termos de pecado, com a sua conotação de Inferno e tudo isso, mas sim como um modo de melhorarmos quem somos, fazendo o bem sem a isso sermos obrigados.

 

Para a semana: Mitos perigosos – e que muitos males causam atualmente.

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