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Luísa Opina

Neste blogue comentarei temas genéricos da nossa sociedade. Haverá um novo texto todas as sextas-feiras

Neste blogue comentarei temas genéricos da nossa sociedade. Haverá um novo texto todas as sextas-feiras

Luísa Opina

26
Nov21

9 - Novo Dicionário Precisa-se - Parte 1

Luísa

Hoje irei falar de algumas palavras e expressões que, ou têm agora um “novo” significado ou têm sempre, implícita ou explicitamente um “rider”, ou seja, um “cláusula adicional” que lhes o sentido – sabem, como naqueles contratos em que adoramos uma alínea e depois vemos em letras pequenas “apenas se...” ou algo desse género que a invalida ou, no mínimo, lhe deturpa o sentido.

E também para uso neste post teremos a sigla DDV, Donos da Verdade, os criadores ou utilizadores assíduos deste novo dicionário e com quem é de muitíssimo mau tom discordar – ao fim e ao cabo, a verdade é só uma e uma apenas e é a que eles decidem que é.

Comecemos, pois.

Censura

Consultando o dicionário, encontramos, entre outras conotações deste termo, a seguinte: exame crítico de obras, espetáculos ou publicações segundo critérios morais ou políticos e exercício do poder de autorizar ou não a sua exposição ou publicação.

Temos passado anos a ouvir falar na censura no tempo de Salazar, por isso devíamos estar bem familiarizados com o que é. Ouvimos falar também do fim da dita censura, seria pois de esperar que ela tivesse mesmo acabado.

Pois... é um daqueles casos em que entra o “rider” que mencionei acima. Vejamos um exemplo. Há uns anos, em França, um livro foi proibido e o autor multado pesadamente porque, a certa altura, um dos personagens, nem sequer o principal, dizia, “Fico feliz quando morre um muçulmano”. Mas pelos vistos há um livro, muito citado por esse senhor Mamadou, que diz, “devemos matar todos os brancos”. Mas não pode ser proibido, porque isso seria “censura”.

Resumindo, se o conteúdo de uma obra, etc., está dentro da ideologia aceite pelos DDV, proibir ou simplesmente coartar a sua divulgação é censura. Mas se o dito conteúdo for do desagrado desses senhores, então essa proibição ou coartação já não é censura, é um ato altamente moral para proteção do povo!

Democracia

De acordo com o dicionário, é um “sistema político em que a autoridade emana do conjunto de cidadãos, baseando-se nos princípios de igualdade e liberdade”.

Tudo bem, dirão, é assim mesmo. Pois é, mas lá vem o tal “rider”, que diz, muito simplesmente, “desde que a escolha dos cidadãos recaia numa opção que os DDV considerem democrática”.

Ou seja, basicamente, as coisas processam-se assim. Se o resultado de uma eleição agrada aos ditos, “viva a democracia”. Se não for do seu agrado, ou, pior ainda, se lhes desagrada, “o povo é estúpido e não sabe o que faz”. Acho que temos todos em mente exemplos recentes desta tão democrática atitude.

Lembram-se da célebre frase “o povo é quem mais ordena”? Pois bem, é, na realidade, “o povo é quem mais ordena desde que aquilo que ordena seja do pleno agrado dos DDV, caso contrário, azar!”

 

Igualdade

Outro termo muito na moda. Voltemos ao dicionário: princípio de organização social segundo o qual todos os indivíduos devem ter os mesmos direitos, deveres, privilégios e oportunidades (o sublinhado é meu).

Um belíssimo princípio, com o qual concordo totalmente. Mas é esta a definição usada pelos DDV?

Em termos de direitos e privilégios, é claro que sim. Aliás passam a vida a criar normas e similares para os imporem, pelo menos teoricamente. No caso da “igualdade de oportunidades”, bom, falam muito disso, mas de um modo tal que se fica com a ideia de que não se estão a referir à sociedade atual mas sim à de uns anos atrás – ignoram, na prática, o poderosíssimo uso que se pode fazer da internet e das novas tecnologias para melhorar esse acesso a oportunidades.

Mas quando chegamos aos deveres, aí é que se estraga tudo. É que para DDV que se prezem, resume-se tudo a direitos, os deveres, esses, são só para alguns. Pior ainda, quando os sobrecarregados de deveres se lembram de protestar e de exigir uma verdadeira igualdade, pois bem, basta dizer que isso não é mesmo nada bem recebido.

Liberdade de expressão

Penso que dispensa uma definição, todos sabemos o que é. Ou antes, todos pensamos saber o que é... Mas tal como no caso da censura, há um senão, é que depende muito do que se diz.

Vamos a um exemplo. Há uns anos houve uma célebre caricatura do Papa da época com um preservativo no nariz. Houve indignação (pacífica e educada) de grupos católicos e o senhor Mário Soares disse, pomposamente, “Se não gostam, azar, é a liberdade de expressão” (estou a parafrasear). Mas quando foram os protestos (violentíssimos, com mortes e muita destruição) por causa das caricaturas de Maomé, o mesmo senhor Mário Soares disse, a respeito dos seus autores e da revista que as publicou, “Deviam ter tido em conta as sensibilidades religiosas das pessoas”.

Trabalhador

Usando novamente o dicionário, o seu significado é “aquele que trabalha”.

Mas se ouvirmos os DDV, a definição correta é, “aquele que tem um contrato coletivo de trabalho e/ou pertence a um sindicato”.

Ou seja, trabalhadores por conta própria, os que estão em pequenas e médias empresas, os que até estão em grandes empresas mas sem contrato coletivo, bom, azar, não são trabalhadores, são só uns papalvos que se esforçam, pagam impostos (de que uma boa percentagem vai para pagar os “verdadeiros” trabalhadores) e veem o seu dia-a-dia continuamente prejudicado pelos “eleitos”.

Até mesmo os ditos precários não nasceram iguais, quando se fala em acabar com a precariedade é sempre no sentido não de terem um contrato de trabalho permanente mas sim de terem o tipo de contrato “certo”.

 

Como o título indica, há muito mais termos e expressões a incluir, mas que ficarão para outra vez. Mas façam um pequeno exercício, da próxima vez que estejam a ver (ou a ler) notícias, prestem atenção ao uso das palavras e, sobretudo, ao modo como são boas ou más consoante a cor política a que se aplicam.

 

Para a semana: O pecado ignorado – e que todos nós cometemos.

19
Nov21

8 - O céu está a cair...

Luísa

O post desta semana tem a ver com a conferência de Glasgow e a tão propagandeada “catástrofe climática”. O título refere-se à história infantil da galinha que, tendo sido atingida na cabeça por uma bolota, proclama aos quatro ventos que “o céu está a cair”.

Começo por dizer que este catastrofismo não é novo, tenho idade suficiente para me lembrar de vários alertas urgentes, do buraco do ozono ao fim das reservas de petróleo e muitos outros, mas à laia de apresentação indicarei apenas algumas das muitas previsões de cientistas, e não só, referentes ao clima.

1- Em 1970, no primeiro Dia da Terra, um conceituado ecologista, afirmava que em 1990 a temperatura média global estaria 4 graus mais baixa e 11 graus em 2000, o dobro do necessário para entrarmos numa Idade do Gelo.

2- As Maldivas estariam submersas até 2018 (previsão de 1988)

3- O Ártico estaria sem gelo até 2013, previsão de Al Gore de 2008, com base num modelo criado pela União Geofísica Americana e a NASA.

4- Manhattan ficaria submersa até 2018, previsão de um especialista climático em 2008

5- A Inglaterra terá um clima siberiano até 2020 (previsão de 2004)

Sempre acompanhei estas e outras previsões com um grande grau de divertimento pelas “certezas” que davam e os erros de conceção dos modelos em que essas certezas se baseavam. Por exemplo, num dos primeiros, esqueceram-se de incluir os oceanos nos cálculos de absorção de carbono!

Não é por acaso que o nome deste fenómeno tenha andado a mudar. Primeiro era o aquecimento global. Como não aconteceu, passámos a ouvir falar em “alterações climáticas”. E quando se referiu, e bem, que sempre as houve e sempre as haverá enquanto a Terra tiver vida, passámos à “catástrofe climática” provocada, claro está, pela ação humana.

Mas atenção, não por todos os humanos!

Por exemplo, nós, no Ocidente, devemos deixar de comer carne de vaca porque estas produzem metano, que é um gás de estufa. Curiosamente, nunca há uma referência aos 300 e tal milhões de vacas da Índia! Se calhar, como são sagradas, não produzem metano.

Ora todas estas previsões “dos cientistas” (é curioso que nunca dizem “de”, é sempre “dos”, para dar uma ideia de unanimidade) têm a característica peculiar de ignorarem uma série de coisas.

A primeira, é o Sol. Estudos mostram que este é responsável por um quarto do aquecimento da nossa atmosfera e que isso varia muito com o ciclo solar e, acima de tudo, com a densidade de manchas solares.

Depois, temos o papel das nuvens. Há estudos que mostram que têm um papel importantíssimo no clima. Ora poucos modelos as incluem e um destes tinha um erro de cálculo que agravava as previsões de aquecimento global em 75 %!

Também o papel dos oceanos não está bem entendido. Já deviam ter atingido há muito o limite de absorção de dióxido de carbono, mas continuam a fazê-lo para deleite de algas e muitas criaturas marinhas.

E temos ainda os vulcões que, a cada erupção, lançam para a atmosfera quantidades gigantescas de químicos que, quando são de origem humana, são responsáveis por tudo e mais alguma coisa, do buraco do ozono à catástrofe iminente. Lembram-se do pânico com os gases dos frigoríficos e aerossóis? Pois bem, a erupção do Pinatubo, Filipinas, em 1991 pôs mais desses sulfatos no ar do que toda a produção humana até à data. Pergunto-me o que a erupção atual de Las Palmas estará a provocar...

Passemos às consequências terríveis previstas.

A mais badalada é a subida dos oceanos. Curiosamente, muitos dos que afirmam a certeza de que irá acontecer têm comprado casas caríssimas à beira-mar, como o Obama, que adquiriu uma por 180 milhões de dólares. Pois... Já agora, a previsão do IPCC (O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) é de uma subida de 60 cm até 2100.

O aumento das catástrofes naturais, como tufões, etc. e a enorme perda de vidas humanas. Mesmo que tenha havido um aumento na sua frequência, e nunca vi dados nesse sentido, é curioso que em 1931 morreram 3,7 milhões de pessoas em catástrofes naturais, mas em 2018 esse número foi de apenas 11 mil, apesar de haver quatro vezes mais pessoas no mundo.

A extinção de espécies animais também é muito citada. Estranhamente, nunca referem as muitas espécies em perigo extremo pelo desaparecimento do seu habitat devido ao aumento populacional (de 1800 a 2015 passámos de 910 milhões a 7,8 mil milhões em 2021).

E as soluções e exigências dos “peritos”, como a Greta, são realmente interessantes sobretudo pela hipocrisia.

Vejamos algumas.

1- Temos de encerrar imediatamente todas as centrais a carvão! Mas só alguns, claro, a China tem atualmente 1082 centrais dessas, só para cumprir o Acordo de Paris já devia ter encerrado umas 680. Pior ainda, em plena semana de Glasgow inaugurou várias e anunciou a construção de mais 43.

2- Fim imediato dos veículos a gasolina ou gasóleo, usar apenas veículos elétricos. Pois, o problema é que estes usam baterias de lítio, uma substância que não existe por todo o lado e cuja produção causa graves problemas de poluição a menos que sejam tomadas medidas caras para a evitar. E como os maiores depósitos estão na Bolívia, Argentina, Chile e China, ainda por cima em regiões remotas, alguém acredita que serão tomadas essas precauções? Mais ainda, começa a surgir o problema do que fazer com as baterias de lítio usadas, que não são nada fáceis de eliminar. Ou seja, em breve veremos os mesmos que exigiram carros elétricos a exigir o contrário.

3- Redução da pegada de carbono a zero! Mas os que tanto apregoam isto não hesitam em usarem o jato privativo para irem jantar com uns amigos ou passar um fim de semana algures. O Al Gore, por exemplo, foi dos EUA a Bali num avião privado para dar uma conferência de 45 minutos, tendo regressado logo a seguir.

Mas a parte melhor é que, apesar de tantas certezas, vem logo a proposta da criação de inúmeras agências, comissões, etc. para estudarem as vertentes do problema, dando emprego muito bem pago a todos esses cientistas que juram a pés juntos que desta vez é mesmo verdade, há mesmo uma catástrofe à vista e temos de fazer algo já!

Como sou tradicionalista, gostava que esta história acabasse como a versão tradicional do conto que citei no início: a galinha e todos os que a seguiram foram convidadas por uma raposa a entrarem no seu covil “para ficarem a salvo”, tendo sido todos comidos!

 

Para a semana: Novo Dicionário Precisa-se! – e de que maneira

12
Nov21

7 - Partam-se os vidrinhos

Luísa

Há uns tempos vi por acaso um pediatra num dos programas da tarde (ou da manhã) de um canal português a referir que muitas crianças apanham agora infeções de todo o tipo quando começam a ir à escola porque, palavras dele, os pais tendem a mantê-las “envoltas em algodão em rama”. Até há uns anos, os miúdos comiam terra, molhavam-se, andavam descalços em parques e jardins, enfim, iam ganhando imunidade. Agora, bom, mesmo pais descontraídos fazem tudo para que nada disso aconteça porque podem adoecer. Sim, é bom tomar precauções, mas em exagero têm um efeito adverso.

Infelizmente, fazemos o mesmo em áreas não físicas, digamos. É ver quem arranja mais “situações de trauma” a evitar às “coitadinhas das criancinhas”. Testes, exames? Nem pensar! Dizer-lhes não e impor-lhes regras e limites? Que trauma! Apesar de ainda não termos chegado a esse ponto, houve uma pré-primária americana que proibiu os professores de usarem vermelho nas correções por ser... pois, adivinharam, traumático.

A ideia genérica é que cresçam numa redoma, sem sofrerem a menor contrariedade ou percalço.

É claro que todos gostaríamos de viver num mundo perfeito, onde tudo correria sempre bem e seríamos todos muito felizes. Para além do pequeno detalhe de que o que é uma sociedade ideal para o meu vizinho pode não o ser para mim, estou certa de que uma situação destas levaria à total estagnação da humanidade e, ao fim de algum tempo, ao seu declínio total. E não sou a única a pensá-lo.

As tentativas de criar a tal redoma chegam às vezes a limites absolutamente ridículos. Estou a lembrar-me do caso de uma senhora que escreveu a um canal de TV muito indignada porque num programa da natureza que tinham exibido via-se um grupo de leões a caçarem e a comerem um antílope e isso tinha traumatizado o seu filho de oito anos. É claro que me surgiu logo a pergunta, onde é que a dita criança pensava que os leões iam buscar o almoço? Ao supermercado mais próximo?

Curiosamente, esta proteção tem algumas bizarrias. Proíbem-se alguns contos tradicionais por serem “negros”, digamos, ou sanitizam-se até se tornarem irreconhecíveis, como aconteceu com a versão da Disney da Pequena Sereia. Mas não há problema nenhum em as criancinhas verem o Big Brother ou similares.

Basicamente, há a obsessão pelo “final feliz” e feliz num sentido totalmente convencional (casaram e viveram felizes para sempre...). Mesmo quando mudam a história para incorporar a causa da moda, o final feliz tem de existir.

Há ainda a questão dos “livros adequados” a crianças. E não, não me refiro ao conteúdo mas sim ao seu tamanho e densidade de vocabulário. Sabiam que nos EUA e em Inglaterra há listas de palavras “autorizadas” para as várias faixas etárias e que o uso de termos fora da lista é absolutamente proibido? E que também há um número de palavras máximo a não exceder em caso algum, sob pena de o livro não ser publicado?

Quem é fã da saga Harry Potter notou com certeza a enorme diferença de tamanho entre os dois primeiros volumes e os restantes. É que para esses dois, Rowling era uma desconhecida que vira a sua obra ser recusada vezes sem conta e que, para ser publicada, aceitou, claro, as regras. Depois do tremendo êxito de vendas que teve, as coisas mudaram e exigiu fazer os volumes restantes à sua maneira. Pois bem, as criancinhas devoraram os calhamaços que escreveu, cheios de palavras difíceis e, espanto dos espantos, não ficaram traumatizadas!

Tal como as crianças em algodão em rama que referi no início, este sistema de redoma tem tremendos inconvenientes. É impossível passar uma vida inteira sem sofrer alguns dissabores ou, no mínimo, desilusões, e pessoas criadas deste modo senti-los-ão com muito mais intensidade por falta de hábito. Se tudo foi feito até então para que não tenham dificuldades, o efeito pode, até, ser devastador.

Não defendo, é claro, que se façam sofrer as criancinhas pura e simplesmente para as ir habituando a isso. É claro que não. Mas uma proteção em excesso acaba por lhes ser bem mais prejudicial do que um ou outro desgosto pelo caminho.

E quem vêm elas a ser mais tarde? Pois bem, são os “vidrinhos”, pessoas que se melindram com tudo e mais alguma coisa, por mais inócua que seja, que exigem a retirada de textos, imagens, palavras, factos, até, que “possam ofender alguém” (e francamente, na maioria dos casos é preciso ter uma imaginação delirante para encontrar a tal ofensa), enfim, pessoas que se passam totalmente à menor provocação, real ou imaginada.

Já agora, para quem conhece a realidade americana, estes são o que lá chamam “snowflakes” (flocos de neve), mas sempre achei que o termo “vidrinho” é mais adequado, estamos a falar de pessoas que “se partem” com o menor sopro adverso, ou que supõem ser adverso. As que estão sempre a falar em criar “espaços seguros” onde ninguém se possa melindrar, não hesitando para isso em insultarem forte e feio quem se lhes opõe — é que para elas, quem não concorda totalmente com as suas opiniões não merece ser incluído na redoma.

Se pensarem um pouco, verão que temos muitos vidrinhos por cá e que tudo fazem para que o seu número se multiplique o mais depressa possível. E como temos o mau hábito de importar o que de pior aparece na sociedade americana, não me espantaria nada que em breve sejam proibidos lápis e esferográficas vermelhas...

 Daí a minha proposta, partam-se de vez os vidrinhos, deitem-se os estilhaços ao lixo de onde nunca deviam ter saído, e comecemos a educar de acordo com as reais potencialidades das crianças, que são bem mais do que é tomado em conta quando criamos estas regras que, afinal, não protegem, só prejudicam, pelo menos a longo prazo. E reconheçamos de uma vez por todas que tudo, mesmo os atos mais benéficos, podem ser vistos como insultuosos por alguém, algures no mundo e deixemos de desperdiçar tempo e recursos com ninharias, dedicando-nos antes a tentar erradicar o que é verdadeiramente mau.

 

Para a semana: O céu está a cair... – a propósito da catástrofe climática

05
Nov21

6 - Uma sociedade de coitadinhos

Luísa

Não sei se têm reparado, mas “coitadinhos” é um dos termos que mais se ouve quando se liga a televisão, e não só. Para além dos “velhinhos, coitadinhos” a que me referi anteriormente, temos as criancinhas, os jovens, as mulheres, enfim, é um nunca acabar de gente coitadinha.

Curiosamente, se olharmos para os factos, nunca houve tantas oportunidades no nosso país nem nunca se viveu melhor – sim, fala-se muito no abismo entre ricos e pobres e nas muitas pessoas que vivem no limiar da pobreza, o que até é verdade, mas nunca se refere que o valor desse limiar tem aumentado imenso nas últimas décadas e que um pobre de hoje não o seria há uns vinte anos ou ainda menos.

Os pais têm de ir cedo para o emprego? Coitadinhas das criancinhas que têm de se levantar a uma hora tão matinal e passam o dia cheias de sono. É claro que não há a menor menção da hora a que as ditas criancinhas se deitam, quando a realidade é que ficam muitas vezes a pé até bem tarde a ver programas televisivos nada adequados à sua idade.

Não há empregos de pedra e cal à espera de todos os jovens que se formam, muitas vezes em cursos que para além de lhes darem uma certa cultura não têm a menor utilidade? Coitadinhos dos jovens que sofrem com a precariedade no emprego. Francamente, acham mesmo que o sonho de um jovem deva ser arranjar aos vinte e poucos anos o emprego que terá para o resto da vida? Não os devíamos antes encorajar a explorar o mundo do trabalho para verem o que realmente gostam de fazer? Isto sem contar que com o ritmo de mudança atual das sociedades, a ideia do “emprego para a vida” já devia ter desaparecido. Mais ainda, aquilo de que gostamos aos vinte é muitas vezes enfadonho uns anos mais tarde, mas, pela teoria vigente, há que aguentar porque a única coisa que importa é ter um contrato permanente de trabalho.

As mulheres, então, são coitadinhas por natureza. Curiosamente, num país que tanto se queixa da baixa taxa de natalidade, sempre que querem falar da situação da mulher no mundo laboral, lá vem a inevitável análise de que, coitadinhas, têm a sobrecarga dos filhos pequenos e por isso não conseguem singrar em empresas. Ou na política. Ou noutra coisa qualquer. A sério? A maioria das mulheres portuguesas têm filhos pequenos? E que, pior ainda, nunca crescem? É claro que isto evita uma análise a sério da situação ou, até, a simples questão de saber se todas as mulheres querem uma carreira.

E não esqueçamos os tais velhinhos que, independentemente do seu estado de saúde e estatuto financeiro, são sempre coitadinhos, o que tem a imensa vantagem de não termos de olhar a sério para eles e ver quem são e de que é que precisam, basta a satisfação de sabermos que os lastimamos. E ignorando com total displicência que uma pessoa de sessenta anos de agora é bem diferente de uma da mesma idade há uns anos, na forma física e na mental, precisando, pois, de um outro papel na sociedade.

Mas a aplicação mais frequente do termo tem a ver com o “mau do mundo moderno”. Basicamente, somos todos uns coitadinhos porque somos forçados a viver neste terrível mundo impessoal, tecnológico, apressado, enfim, infernal! Não sei em que mundo nasceram essas pessoas, mas duvido seriamente que a sociedade por que tanto suspiram tenha alguma vez existido, exceto em livros totalmente fantasiosos.

Sabem a que me refiro, um mundo de pequenas povoações em que todos se conhecem e se entreajudam, onde não há pobres, onde a vida decorre calma, com tempo para “cheirar as rosas”, enfim, um mundo cheio de paz e boa vontade...

E é um fenómeno que alastra cada vez mais neste nosso risonho país, a tal ponto que um dia destes será difícil encontrar um grupo, um subgrupo até, na nossa sociedade a quem o epítome não tenha sido aplicado.

Estranhamente, quando as criancinhas se tinham de levantar cedo não para irem para a escola mas para ajudarem os pais nos campos ou em que ficavam entregues a si mesmas ou a irmãs pouco mais velhas do que elas enquanto os pais trabalhavam, não eram coitadinhas.

Os jovens que começavam a trabalhar antes dos dez anos, muitas vezes em tarefas demasiado pesadas para os seus corpos, e que sabiam que os esperava uma vida de trabalho árduo só para sobreviverem, não eram coitadinhos.

As mulheres que tinham filhos atrás de filhos, que viam muitos morrerem ainda bebés, que trabalhavam duramente nos campos ou em fábricas para além de cuidarem da casa e dos filhos e que nem educação recebiam, não eram coitadinhas.

Os idosos, esses, que a menos que tivessem bens ou família disposta a sustentá-los, caíam na mais negra miséria e abandono, também eles não eram coitadinhos.

As pessoas que viviam em casas em que o que agora consideramos abaixo do mínimo aceitável seria um luxo (um quarto de banho para dez, por exemplo), que percorriam quilómetros a pé todos os dias para irem à escola ou ao emprego por não haver transportes, não eram coitadinhas.

Francamente, exatamente como com os tais arautos da desgraça, nunca percebi a utilidade de todas estas cenas do coitadinho, nunca apresentam soluções nem analisam as coisas a sério, limitam-se a dizer “coitadinhos os / as...” e pronto, está o assunto arrumado. Pior ainda, à força de tanta repetição, quem os ouve acaba por se convencer de que é, de facto coitadinha.

Fico com a ideia de que “coitadinho” é uma noção que só nasce em sociedades de abundância, é que nas outras as pessoas estão tão ocupadas a tentar sobreviver que não têm tempo para se sentirem coitadinhas.

E para terminar, de acordo com a DGS, Portugal é o país europeu com maior consumo de ansiolíticos e antidepressivos e o seu consumo tem aumentado imenso. Hum... Porque será?

 

Para a semana: Partam-se os vidrinhos – leiam para saberem o que isso é...

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