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Luísa Opina

Neste blogue comentarei temas genéricos da nossa sociedade. Haverá um novo texto todas as sextas-feiras

Neste blogue comentarei temas genéricos da nossa sociedade. Haverá um novo texto todas as sextas-feiras

Luísa Opina

29
Out21

5 - A Internet não é perigosa

Luísa

Ouvimos falar nos perigos da Internet praticamente desde o início da dita e sempre em tom catastrófico, claro. Ora para mim o perigo não está nela mas sim no modo como quase desde o começo da sua divulgação tem sido tratada como um mundo totalmente separado da vida real, um universo paralelo e que pouco ou nada tem a ver com aquele em que vivemos. E esta atitude não se restringe, infelizmente, a leigos, digamos, é extremamente comum a jornalistas, sociólogos.

Ora na minha opinião, é essa a verdadeira origem de muitos dos tais “perigos”. Vejamos alguns exemplos que explicam melhor o que quero dizer com universos paralelos.

Peguemos na situação muito frequente de uma pessoa que vai de férias e nada diz na zona onde vive para não atrair a atenção de ladrões. Chega até a comprar temporizadores para que as luzes se acendam e apaguem durante a noite e a televisão funcione algumas horas. Pois bem, essa mesma pessoa que tantas precauções toma “no mundo real” não tem o menor problema em pespegar na Internet as datas da sua ausência e o facto de a casa ir ficar vazia, tudo isso sem sequer verificar se está a publicar numa página aberta a todos. Junte-se-lhe as muitas fotos que publica e que mostram o exterior da casa – isto quando não pôs também a morada – e temos um convite bem claro a um assalto!

Outro exemplo, se um desconhecido o interpelar na rua e disser que o acha simpático e vai dar-lhe um milhão de euros, só precisa que lhe dê uns vinte mil para as despesas da transferência, acredita? Transfere logo o dinheiro? É claro que não! Então porque o faz se esse convite lhe chegar via Internet?

É esta separação total entre realidade e Web que cria, quanto a mim, a vasta maioria dos problemas. Sim, estamos sempre a ouvir dizer, “na Internet ninguém sabe quem somos”. E é bem verdade. Mas, estranhamente, quando estão a interagir com outros via Net, muitos dos seus utilizadores parecem esquecer-se totalmente disso e tratam todos os que lhes aparecem pela frente como amigos íntimos de longa data.

Vejamos o problema bem real da pedofilia. Em vez de massacrarmos as crianças com repetições sem fim de “a Internet é perigosa”, não seria bem mais útil fazer-lhes ver que se aplicam ali as mesmas regras do dia-a-dia? Não lhes dizemos que não deem dados pessoais a estranhos que metam conversa na rua ou noutros sítios? Pois bem, a mesma regra aplica-se no mundo eletrónico.

Os jovens que põem fotos, digamos, “impróprias” nas suas páginas ou que as enviam a “amigos”, que são de facto desconhecidos, fariam o mesmo com as pessoas do seu bairro? Andariam a distribuí-las por quem lhes aparecesse pela frente quando circulam na rua? Mas é exatamente o que fazem online.

Se não contam segredos íntimos a amigos ou familiares, porque os entregam de boa vontade e até avidamente se for via telemóvel ou computador? Com a agravante, nestes dois casos, de que, como diz um outro chavão muito usado, “a Internet é para sempre” e nunca se sabe o que nos poderá vir a causar sarilhos no futuro.

A reação a casos problemáticos também não ajuda. Lembro-me de um que se passou em Inglaterra há já alguns anos em que uma miúda de 12 anos fez amizade com um rapaz ligeiramente mais velho via Internet. Tinham imenso em comum, falavam imenso e um dia ele propôs um encontro. Bom, ela era nova mas não era estúpida e não se deixou levar pelo entusiasmo do romance nascente. Sugeriu um sítio público, um café ou isso, já não me lembro bem. Mais ainda, falou com a mãe e sugeriu-lhe que estivesse presente sem dar nas vistas para ver o que sairia dali. Escusado será dizer que o jovem era um homem de trinta e muitos anos. A mãe ligou logo à polícia e ele foi preso. Pois bem, isto serviu para muito “choro e ranger de dentes” sobre a tremenda perigosidade da famigerada Internet. A minha reação? Perdeu-se uma ocasião de ouro para demonstrar que, se usarmos as devidas precauções, as coisas até correm bem. E que aquela miúda devia ter sido usada como exemplo do que se deve fazer e não como aviso do que pode correr mal.

Não é por acaso que grandes empresas em Nova Iorque, por exemplo, usam estafetas para documentos sigilosos. E muitas outras em todo o mundo recusam-se a enviar papéis importantes por via eletrónica. É que desde o início segurança e privacidade nunca foram palavras que pudéssemos associar à Internet, mais um pequeno pormenor que devemos ter em conta quando a usamos.

Mas o mesmo acontece na chamada vida real. Quando usamos um cartão Multibanco não tentamos esconder o código? Emprestamos um cartão de crédito a pessoas que mal conhecemos? Revelamos detalhes das nossas contas na praça pública? Deixamos a porta de casa aberta? O carro não fechado e com as chaves na ignição? É claro que não! Então porque fazemos o equivalente na Internet?

Basicamente, a regra de ouro devia ser não fazer nada online que veríamos como uma má ideia no mundo físico. É que os perigos são praticamente os mesmos, apenas usam vestes diferentes, sobretudo na área da vigarice. E é preciso estarmos bem mais atentos ao que fazemos e ao que nos pedem online porque é muito mais fácil lançar o isco, digamos, a umas centenas ou milhares de pessoas na Web e ver se alguma cai do que ter de o fazer caso a caso cá fora.

Resumindo, parem de falar dos perigos da Internet e reforcem, isso sim, a ideia de que os perigos e as regras são os mesmos, dentro e fora dela.

 

Para a semana: Uma Sociedade de Coitadinhos – sim, somos todos uns...

22
Out21

4 - Estou farta de arautos da desgraça

Luísa

Não vejo muita televisão por falta de tempo e a pouca que vejo raramente inclui programas portugueses, mesmo assim, entre noticiários e outros programas não pude deixar de reparar na enorme quantidade de “arautos da desgraça”, perdão, de especialistas em tudo e mais alguma coisa que nos entram continuamente pela casa dentro. Então agora com a pandemia, a sua multiplicação é digna do milagre dos pães e dos peixes.

Até seria muito útil ouvirmos o que têm a dizer, ao fim e ao cabo são (supostamente) especialistas no assunto em questão, infelizmente tenho reparado também num pequeno detalhe: falam todos muito em problemas, na tragédia que isto ou aquilo é para as pessoas, pintam um quadro negríssimo da situação atual e futura e depois... mais nada.

Vejamos um exemplo. Durante a pandemia ouvimos repetidamente de sociólogos, psicólogos e outros “logos” como era terrível para a saúde mental dos portugueses terem de estar fechados em casa e como isso viria a ter consequências trágicas num futuro mais ou menos próximo. E eu até concordo que a falta total de convívio não é certamente saudável. Qual é então o meu problema com estes discursos? Pois, é muito simples, só falam do problema mas nunca, nunca apresentam propostas para o minorar.

Estar fechado em casa por razões alheias à vontade própria é mau? É claro que é. Mas há com certeza inúmeras maneiras de contornar ou, pelo menos, de minorar essa situação e seria indubitavelmente mais útil ter um especialista a falar em, por exemplo, “10 maneiras de conviver sem sair de casa” ou “Como jantar com amigos, cada um em sua casa” ou “Relaxe e diversão em confinamento”, em vez de repetir, pela enésima vez, que vivemos numa tragédia e que esta irá dar origem a outras ainda piores.

Curiosamente, antes da dita pandemia ouvíamos estes ou outros especialistas lastimarem situações praticamente opostas, como “a tragédia de os pais nem terem tempo para estarem com os filhos devido aos longos horários de trabalho” ou “as pessoas nem têm tempo para si”, por exemplo, mais uma vez sem propostas para as melhorarem.

Segundo parece, estes especialistas, como bons arautos da desgraça que são, usam lentes especiais que fazem com que tudo para que olham seja trágico, sobretudo comparado com um mundo mítico ideal que nunca se dignam dizer-nos como é.

Pior ainda, fazem com que pessoas que lidam bem com os problemas para que alertam comecem a duvidar de si mesmas. É que se é tudo tão trágico, tão catastrófico, devem ser loucas ou no mínimo inconscientes para pensarem que estão a lidar bem com isso.

Repito, muitas das situações para que nos alertam são realmente más e podem vir a provocar inúmeros problemas num futuro nem muito distante. Não é pois isso que está em causa. O que me repugna é o facto de verem as coisas por um único prisma, o mau. Segundo parece, nunca ouviram dizer que uma crise pode (e deve) ser uma oportunidade se for vista pelo prisma correto.

Vejamos alguns exemplos.

Com a pandemia, muitos foram forçados a ficar em casa sem trabalharem, mantendo ou não o emprego. Não teria sido bom ouvirem da boca de especialistas opções para ocuparem esse tempo? E não me refiro a distrações. É que seria uma oportunidade excelente para meditarem a fundo sobre o tipo de trabalho que fazem e o que gostariam de fazer, para melhorarem ou adquirirem competências (há cada vez mais opções via Internet), ou, até, para tentarem concretizar o sonho de converter em negócio um passatempo...

Outro exemplo, os muitos idosos em lares que ficaram sem visitas dos familiares. Sim, é uma situação trágica, mas que tal proporem soluções para reuniões virtuais (ensinando, por exemplo, o pessoal desses lares a usar o Zoom ou algo similar) ou para outros modos de convivência não física?

E o ensino à distância? Os horrores que ouvimos dizer sobre esta opção – curiosamente, criancinhas australianas passaram anos a estudar via rádio, sim, rádio, e não se deram nada mal com isso. Mas se atendermos às opiniões de peritos em ensino, especialistas em jovens, etc., foi uma solução péssima! Será que ficarem em casa sem estudar teria sido melhor? É que a escolha não era entre ensino presencial e ensino à distância, era, sim, entre este e zero ensino!

Não sou especialista em nada disto, mas como mera leiga que sou parece-me que as comparações não devem ser feitas entre a realidade e uma imagem ideal de uma certa situação. Devem, isso sim, tentar tornar essa realidade, por muito má que seja, na sua melhor versão possível – ou, pelo menos, na menos má. É que francamente, se não podemos eliminar um problema, se, para falar depressa e bem, as coisas são o que são, então para que serve lastimarmo-nos? É pura perda de tempo e, pior ainda, não melhorará a tal saúde mental de que tanto se fala.

Infelizmente, esta questão não surgiu agora com a pandemia, é algo que me desperta a atenção há anos, foi apenas exacerbada por ela, talvez por falta de outros assuntos com o país e o mundo “encerrados”. Fica-se até com a sensação de que um especialista só se acha digno desse nome se fizer de qualquer coisinha uma tragédia. Sim, de qualquer coisinha.

Ou seja, especialista só é especialista se for um arauto da desgraça!

Uma pequena nota, refiro-me aqui a especialistas das áreas sociais, sobretudo sociólogos e psicólogos. Há muito a dizer sobre os de temas mais científicos (energia, clima...), mas isso fica para outra ocasião.

 

Para a semana: A Internet não é perigosa – pois, não é o que estamos sempre a ouvir....

15
Out21

3 - Deixem os bullies em paz

Luísa

Primeiro, um pequeno esclarecimento. Para mim, cenas como aquela recente em que um rapaz foi atropelado quando fugia de um grupo de colegas da sua escola nada têm a ver com bullying, são violência pura e simples e deviam ser tratadas como tal. Ou seja, este texto refere-se apenas a bullying não físico.

Sempre que há um caso grave, surgem os inevitáveis especialistas com os seus comentários sobre possíveis causas e soluções, mas sempre virados para o bully ou bullies em questão. Na minha opinião de não “especialista”, essa é a abordagem errada. Sim, poderá resolver aquela situação pontual – apesar de o mais provável ser torná-la mais encoberta – mas não soluciona o problema da vítima ou vítimas. Estas continuarão à mercê do próximo bully e, acreditem, há sempre mais alguns no seu futuro.

Ou seja, o que devíamos fazer era fortificar possíveis vítimas, torná-las, digamos, “estanques” a futuros ataques.

Não estou a culpar a vítima, mas há pessoas mais atreitas a serem vítimas de bullying e isso tem menos a ver com as suas características e mais com a sua personalidade. Se um bully entrar numa sala com cem pessoas que nunca viu antes, em minutos vai direto à mais suscetível de ser uma sua vítima. É uma clara lei da atração...

E já agora, recordo que bullying não é algo que só acontece na infância e na adolescência. Há muito na vida adulta e bem mais sofisticado e difícil de ver como tal. É por isso que é importante trabalhar com as pessoas para que lhe sejam o mais indiferentes que lhes seja possível. É que se o bullying não resulta, o bully em questão parte em busca de uma nova vítima.

E falo por experiência própria! Em miúda (e não só) tinha tudo para ser uma típica vítima de bullying. Mas nunca o fui porque sempre tive um “defeito”: só ligo à opinião de meia dúzia de pessoas que respeito – e nem sempre em todas as áreas. Quanto às outras, é claramente um caso de “os cães ladram e a caravana passa.”

Tem de haver algo de muito errado no modo como criamos as crianças da nossa sociedade se estas ficam totalmente arrasadas caso lhes chamem gordas, baixas, estúpidas, enfim, os vários epítetos usados normalmente como armas de arremesso. Pior ainda, muitas vezes esse achincalhamento vem até de pessoas que não conhecem ou que conhecem apenas da Internet, que não sabem quem são ou o que valem. Mas o sacrossanto “dizem” sobrepõe-se a tudo e destrói-lhes totalmente a vida, um pouco de cada vez. Ou, no mínimo, prepara-as para uma vida adulta infeliz e cheia de complexos.

Fala-se muito em autoestima, mas, atendendo aos resultados, não passa de conversa fiada. Se levássemos isso a sério e imbuíssemos as crianças com ela, desde bem novinhas, haveria certamente muito menos bullying. E pessoas mais felizes.

Outro problema relativo a bullying está na indignação seletiva. Passo a explicar. Se um miúdo usar um termo racista em relação a outro – atenção, chamar branquelas ou algo assim a um branco não conta – ou se fizer uma referência depreciativa a ele ser homossexual ou transgénero ou disser algo certas religiões, cai-lhe este mundo e o outro em cima. Mas se tiver o cuidado de evitar estas situações, pode ser bully à vontade que nada acontece.

Ora as pessoas não são estúpidas, aprendem rapidamente com quem e com quê podem e não podem gozar.

Para além da autoestima, ou falta dela, temos ainda a questão de ser popular, de estar integrado, que lhe está diretamente ligada. Possivelmente por exemplo dos pais ou da sociedade em que se inserem, as crianças adquirem bem cedo a ânsia de estar no grupo popular, nem que para isso tenham de passar a ignorar e a insultar pessoas com quem sentem muito mais afinidades e, em muitos casos, de quem foram amigas durante anos. E isso prolonga-se pela idade adulta, muitos fazem literalmente tudo para não serem vistos como “estranhos”, como alguém à margem.

Ora um bully que se preze rodeia-se sempre de uma corte que o bajula e que repete tudo o que ele diz ou faz – ou  que diz e faz coisas ainda mais graves. Se formos analisar casos recentes, descobrimos certamente que os piores ofensores foram precisamente membros mais secundários do grupo, os que têm de se esforçar mais para irem subindo na hierarquia.

E também aqui a falta de autoestima e de independência de pensamento é a grande culpada. É que os membros da dita corte não veem, ou fazem por não ver, que se hoje estão em alta amanhã poderão ser relegados para o papel de vítimas, à mercê da vontade caprichosa do rei bully.

É por isso que, repito, atacar o problema do lado dos bullies não resulta, exceto muito pontualmente e a curtíssimo prazo. Se quisermos acabar com o famigerado bullying ou pelo menos minorar as suas consequências, tratemos de eliminar possíveis vítimas dando-lhes a confiança para ignorarem insultos, bocas e tudo isso.

Sem vítimas, não há bullies! Deixem pois os bullies em paz e tratem é de impedir as pessoas de se verem como vítimas e de reagirem como tal.

 

Para a semana: Estou farta de arautos da desgraça – pois, refiro-me aos especialistas que nos entram porta dentro todos os dias...

08
Out21

2 - Os homens não devem ajudar em casa

Luísa

Comecemos por fazer uma pausa para dar tempo aos insultos, ataques cardíacos e outras reações similares a este título. E agora, vamos por partes.

Analisemos primeiro a palavra “ajudar” e o que ela implica. De acordo com o dicionário, significa “dar ajuda a, auxiliar”. Ou seja, eu ajudo quando faço alguma coisa que não é minha obrigação fazer e com a intenção de auxiliar alguém. A ênfase está, ou devia estar, em “algo que não tenho obrigação de fazer”.

E este é que é o problema. Quando dizemos, “os homens devem ajudar em casa” estamos de facto a dizer que as tarefas domésticas são da exclusiva responsabilidade da mulher, quer esta tenha ou não um emprego no exterior, com as mesmas ou até mais horas de trabalho que o homem.

Ora isso já devia há muito ter deixado de ser verdade. Se um homem e uma mulher partilham uma casa e ambos trabalham fora, a manutenção do lar é da responsabilidade de ambos. E não, não estou a esquecer os casais homossexuais, é que neste caso, quer sejam dois homens ou duas mulheres, não há uma ideia preconcebida do papel de cada um na sociedade e em casa. Vou pois limitar-me aos casais heterossexuais.

Estranhamente, a brigada do politicamente correto, que anda sempre à procura de nomes ou frases que consideram ofensivos ou, no mínimo, não adequados a uma sociedade moderna, nunca pegou neste caso. Esquecimento? Distração? Ou acreditarão no íntimo que é à mulher que competem os assuntos da casa e que, se tiver muita sorte, arranja um parceiro que a “ajude”?

Pelos vistos, neste caso não se acredita na força das palavras para alterar situações discriminatórias, prefere-se continuar a falar das mulheres como umas coitadinhas que têm uma dupla tarefa a cumprir e a arranjar quotas para tudo e mais alguma coisa usando isso como pretexto.

Se quisermos alterar realmente a posição da mulher na sociedade e no mercado de trabalho temos de começar por esquecer a “ajuda” dos homens em casa e a dar o máximo realce à distribuição das tarefas domésticas por ser esse o dever de ambos.

Atenção, não sou partidária de um regime rígido, quase contabilístico, tipo ontem fiz eu isso, hoje é a tua vez. Há sempre tarefas que uns apreciam mais do que os outros e que fazem melhor ou pelo menos não tão contrariados. E desde que o esforço não recaia todo sobre uma das partes deve ser encontrada uma solução que agrade a ambos. Solução essa que se pode ir alterando com o tempo, sobretudo havendo filhos – sim, estes também devem participar, contribuir para as tarefas domésticas, e não “ajudar” e muito menos a troco de mesadas ou outras benesses.

Se uma das partes estiver em casa a tempo inteiro – e atenção, disse uma das partes, não vejo problema nenhum em ser o homem a fazê-lo – então, sim, a outra parte, se colabora quando chega a casa, estará a ajudar na verdadeira aceção da palavra.

Reconheço também que há, infelizmente, mulheres que fazem uma autêntica sabotagem à colaboração do parceiro, por não estarem dispostas a passar pelo período de aprendizagem de alguém muitas vezes totalmente estreante em certas tarefas. Ou porque as incomoda verem o seu parceiro a ser melhor num campo considerado tradicionalmente feminino, como a cozinha.

Ou ainda por no íntimo acharem pouco digno de um homem ter de fazer tarefas domésticas. E esta atitude não vem apenas de pessoas idosas, criadas noutras épocas e com outros costumes, tenho-a ouvido, com grande espanto meu, em mulheres jovens e até em adolescentes.

Até por isto seria muito importante eliminarmos a expressão “ajudar em casa” do nosso vocabulário, para que as novas gerações vejam como sua obrigação natural contribuir para a manutenção de um lar de que também desfrutam, seja como filhos ou como parte de um casal.

Há ainda mais um inconveniente para o uso deste termo, ajudar. É que à força de o ouvirem, muitos homens ficam no mínimo baralhados e até, digamos, magoados, quando ouvem as respetivas esposas queixarem-se da sobrecarga de trabalho que têm com emprego e casa porque eles “ajudam” nas tarefas domésticas. Podem até ver nesse tipo de comentário uma espécie de traição e, francamente, não deixam de ter uma certa razão – dentro do que sempre ouviram dizer que era a sua função num casal, cumprem integralmente e são “bons rapazes” ao irem além do mero contributo financeiro.

Ou seja, o que está errado não é o que os homens fazem ou não fazem em casa mas sim o paradigma em que isso se tem inserido: as mulheres trabalham em casa, os homens “ajudam”.

Queremos uma mudança nesta situação? Pois bem, o primeiro passo seria alterar a perceção. Não será uma mudança instantânea, custará mais a uns do que a outros, mas é indispensável se quisermos uma sociedade mais igualitária, outro termo também muito na moda. E essa mudança de perceção não afetará apenas os homens mas também as mulheres e será importantíssima para que estas comecem a reformular o seu papel no lar, no casal e na própria sociedade em que vivem.

Espero que agora já concordem comigo, os homens não devem ajudar em casa, devem sim fazer a parte que lhes compete como membros de um casal.

Para a semana: Deixem os bullies em paz - pois, mais uma vez, não é o que pensam.

01
Out21

1 - A Geração Esquecida

Luísa

Ouvimos continuamente falar dos problemas das mulheres jovens com filhos, dos jovens, dos velhinhos, enfim, de todo o mundo e arredores, mas há um grupo que escapa sempre a este festival de “choro e ranger de dentes”. Ora esse grupo esquecido é precisamente o da minha geração e o problema mais ou menos inédito que enfrentamos, pelo menos com esta dimensão.

E quem é esta geração esquecida? Pois bem, são pessoas de mais de sessenta anos, na sua maioria mulheres, em idade de apreciar o que lhes resta da vida e de repousarem e se divertirem um pouco agora que estão reformadas ou quase, mas que se deparam com o grave problema de terem de cuidar dos pais idosos.

Graças ao tremendo aumento da esperança de vida, esta situação é cada vez mais frequente e com tendência para piorar. E estranhamente, pelo menos para mim, nunca se ouve falar desta questão – exceto, evidentemente, para as habituais queixas sobre o “envelhecimento da população e a necessidade de importar imigrantes, sejam eles quem forem.

Bem sei que há lares e centros de dia, embora não na quantidade e qualidade desejáveis. Mas para muitas de nós (sim, falo no feminino porque, repito, esta situação atinge sobretudo mulheres) é uma solução que nem sequer se põe, sobretudo um lar, não só por razões económicas mas também de “moralidade”, digamos: fomos educadas na ideia de que nos competiria cuidar dos nossos pais quando já não o pudessem fazer e é isso mesmo que tentamos fazer, custe o que custar.

E quanto aos centros de dia, há idosos que se recusam liminarmente a frequentar um, sem falar nos que têm graves problemas de mobilidade e para quem qualquer deslocação é uma enorme complicação, para si e para quem cuida deles. Mais ainda, nem sempre há um perto de nós que seja bom, tenha vagas e um horário compatível.

E ao contrário das mulheres com filhos pequenos, que tentam equilibrar vida familiar, pessoal e profissional e de que tanto se fala, sobretudo para exigir quotas para tudo e mais alguma coisa, a nossa situação agrava-se e de que maneira com o passar dos anos, não só porque também vamos ficando mais velhas e a precisar nós próprias que cuidem de nós, mas ainda porque os idosos a nosso cargo vão piorando e exigindo cada vez mais atenção e disponibilidade.

E em sequer falo de idosos com início de Alzheimer ou outras condições que exigem uma atenção continuada e que se torna incompatível com termos vida profissional ou até pessoal.

Numa altura em que sem obrigações profissionais – refiro-me às reformadas, claro – poderíamos viajar, passear, dedicarmo-nos finalmente às atividades de lazer que fomos adiando, muitas vezes devido a compromissos familiares de filhos e família, vemos a nossa liberdade a ser cada vez mais restringida por não podermos ausentar-nos, primeiro por uns dias, depois até por umas horas.

E não há qualquer ajuda à vista. Eu tenho a sorte de ter alguém de confiança que me dá umas horas por dia e que ajuda sempre que é preciso, mas para muitas outras pessoas nesta situação nem isso é possível. Como encontrar alguém de confiança, que cuide bem de um idoso e que seja bem aceite por este? Seria uma boa proposta para um curso profissional de curta duração! É claro que seria necessária uma garantia de como não estamos a meter em casa alguém que nem sabemos quem é, talvez as juntas de freguesia pudessem tratar de uma espécie de certificação de cuidadores de terceira idade.

Sim, há cada vez mais empresas que fornecem pessoal que cuida de idosos, mas o custo é muitas vezes incomportável para a maioria das bolsas e nem sempre resolve o problema aparentemente simples de nos “libertar” por umas horas ou, melhor ainda, por uns dias. Tenho a certeza de que são ótimos para quem os possa pagar e, sobretudo, caso sejam precisos cuidados médicos, fisioterapia, etc.

Para além da progressiva falta de tempo livre, há também a questão física. É que a idade começa a pesar-nos e ajudar os nossos idosos a levantarem-se, a caminhar, a deitarem-se, a tomar banho, enfim, as mil e uma coisas em quem nem pensamos quando estamos em plena forma física, torna-se cada vez mais complicado com a deterioração da nossa saúde. Pior ainda, esses esforços levam a um agravamento forte de problemas de costas e outros com que poderíamos viver alegremente durante anos sem darmos muito por eles.

Basicamente, o que faz falta é um serviço de baby-sitters para idosos!

Poder receber em casa refeições adequadas a restrições dietéticas e à idade avançada seria uma ótima ajuda, mas os serviços que existem apenas servem carenciados. Segundo parece, quem tem dinheiro não precisa de ajuda! Porque será que não se lembram de fornecer as mesmas coisas de dois modos diferentes, gratuitas para quem não tem meios económicos e a pagar para quem os tem (e estes valores ajudariam certamente com as despesas).

E há ainda a questão psicológica. Todos sabemos que certos defeitos se agravam com a idade, como a teimosia, por exemplo, e ao fim de uns anos a aturar sempre as mesmas atitudes, a paciência começa a faltar para aturar coisas a que antes nem ligávamos. E quando entramos em depressão devido ao isolamento e a todos estes problemas, quem cuida de nós? Pior ainda, quem cuida dos idosos a nosso cargo, se lhes viermos a faltar?

Pois é, em vez de falarem tanto sobre o envelhecimento da população e os “velhinhos, coitadinhos” (nunca percebi porque é que os idosos são sempre os velhinhos e acima de tudo, coitadinhos!) talvez fosse preferível olhar para os problemas que realmente existem e tentar arranjar soluções que ajudem a sério esta Geração Esquecida.

Para a semana: Os Homens Não Devem Ajudar em Casa - leiam, a sério, não é o que pensam.

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