5 - A Internet não é perigosa
Ouvimos falar nos perigos da Internet praticamente desde o início da dita e sempre em tom catastrófico, claro. Ora para mim o perigo não está nela mas sim no modo como quase desde o começo da sua divulgação tem sido tratada como um mundo totalmente separado da vida real, um universo paralelo e que pouco ou nada tem a ver com aquele em que vivemos. E esta atitude não se restringe, infelizmente, a leigos, digamos, é extremamente comum a jornalistas, sociólogos.
Ora na minha opinião, é essa a verdadeira origem de muitos dos tais “perigos”. Vejamos alguns exemplos que explicam melhor o que quero dizer com universos paralelos.
Peguemos na situação muito frequente de uma pessoa que vai de férias e nada diz na zona onde vive para não atrair a atenção de ladrões. Chega até a comprar temporizadores para que as luzes se acendam e apaguem durante a noite e a televisão funcione algumas horas. Pois bem, essa mesma pessoa que tantas precauções toma “no mundo real” não tem o menor problema em pespegar na Internet as datas da sua ausência e o facto de a casa ir ficar vazia, tudo isso sem sequer verificar se está a publicar numa página aberta a todos. Junte-se-lhe as muitas fotos que publica e que mostram o exterior da casa – isto quando não pôs também a morada – e temos um convite bem claro a um assalto!
Outro exemplo, se um desconhecido o interpelar na rua e disser que o acha simpático e vai dar-lhe um milhão de euros, só precisa que lhe dê uns vinte mil para as despesas da transferência, acredita? Transfere logo o dinheiro? É claro que não! Então porque o faz se esse convite lhe chegar via Internet?
É esta separação total entre realidade e Web que cria, quanto a mim, a vasta maioria dos problemas. Sim, estamos sempre a ouvir dizer, “na Internet ninguém sabe quem somos”. E é bem verdade. Mas, estranhamente, quando estão a interagir com outros via Net, muitos dos seus utilizadores parecem esquecer-se totalmente disso e tratam todos os que lhes aparecem pela frente como amigos íntimos de longa data.
Vejamos o problema bem real da pedofilia. Em vez de massacrarmos as crianças com repetições sem fim de “a Internet é perigosa”, não seria bem mais útil fazer-lhes ver que se aplicam ali as mesmas regras do dia-a-dia? Não lhes dizemos que não deem dados pessoais a estranhos que metam conversa na rua ou noutros sítios? Pois bem, a mesma regra aplica-se no mundo eletrónico.
Os jovens que põem fotos, digamos, “impróprias” nas suas páginas ou que as enviam a “amigos”, que são de facto desconhecidos, fariam o mesmo com as pessoas do seu bairro? Andariam a distribuí-las por quem lhes aparecesse pela frente quando circulam na rua? Mas é exatamente o que fazem online.
Se não contam segredos íntimos a amigos ou familiares, porque os entregam de boa vontade e até avidamente se for via telemóvel ou computador? Com a agravante, nestes dois casos, de que, como diz um outro chavão muito usado, “a Internet é para sempre” e nunca se sabe o que nos poderá vir a causar sarilhos no futuro.
A reação a casos problemáticos também não ajuda. Lembro-me de um que se passou em Inglaterra há já alguns anos em que uma miúda de 12 anos fez amizade com um rapaz ligeiramente mais velho via Internet. Tinham imenso em comum, falavam imenso e um dia ele propôs um encontro. Bom, ela era nova mas não era estúpida e não se deixou levar pelo entusiasmo do romance nascente. Sugeriu um sítio público, um café ou isso, já não me lembro bem. Mais ainda, falou com a mãe e sugeriu-lhe que estivesse presente sem dar nas vistas para ver o que sairia dali. Escusado será dizer que o jovem era um homem de trinta e muitos anos. A mãe ligou logo à polícia e ele foi preso. Pois bem, isto serviu para muito “choro e ranger de dentes” sobre a tremenda perigosidade da famigerada Internet. A minha reação? Perdeu-se uma ocasião de ouro para demonstrar que, se usarmos as devidas precauções, as coisas até correm bem. E que aquela miúda devia ter sido usada como exemplo do que se deve fazer e não como aviso do que pode correr mal.
Não é por acaso que grandes empresas em Nova Iorque, por exemplo, usam estafetas para documentos sigilosos. E muitas outras em todo o mundo recusam-se a enviar papéis importantes por via eletrónica. É que desde o início segurança e privacidade nunca foram palavras que pudéssemos associar à Internet, mais um pequeno pormenor que devemos ter em conta quando a usamos.
Mas o mesmo acontece na chamada vida real. Quando usamos um cartão Multibanco não tentamos esconder o código? Emprestamos um cartão de crédito a pessoas que mal conhecemos? Revelamos detalhes das nossas contas na praça pública? Deixamos a porta de casa aberta? O carro não fechado e com as chaves na ignição? É claro que não! Então porque fazemos o equivalente na Internet?
Basicamente, a regra de ouro devia ser não fazer nada online que veríamos como uma má ideia no mundo físico. É que os perigos são praticamente os mesmos, apenas usam vestes diferentes, sobretudo na área da vigarice. E é preciso estarmos bem mais atentos ao que fazemos e ao que nos pedem online porque é muito mais fácil lançar o isco, digamos, a umas centenas ou milhares de pessoas na Web e ver se alguma cai do que ter de o fazer caso a caso cá fora.
Resumindo, parem de falar dos perigos da Internet e reforcem, isso sim, a ideia de que os perigos e as regras são os mesmos, dentro e fora dela.
Para a semana: Uma Sociedade de Coitadinhos – sim, somos todos uns...
